São Paulo, sexta-feira, 03 de fevereiro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NO VERMELHO

Saída de principais tomadores de empréstimos põe em xeque papel do fundo

Quitação de dívida eleva déficit do FMI

WILLIAM MCQUILLEN
DA BLOOMBERG

A perda, por parte do FMI (Fundo Monetário Internacional), de seus maiores tomadores de empréstimos no mês passado deixou a instituição com um crescente déficit orçamentário e novas dúvidas em relação a seu papel na economia mundial.
Nas últimas seis semanas, o Brasil antecipou o pagamento de US$ 15,5 bilhões de sua dívida e a Argentina quitou, dois anos antes do previsto, sua dívida de US$ 9,5 bilhões, o que encerra as contas, respectivamente, do primeiro e do terceiro maior tomador de empréstimos do Fundo.
O estímulo para quitar as dívidas -representado pelas reservas em moeda estrangeira, que incharam após as economias latino-americanas terem saído da recessão, e pelo crescimento do apetite dos investidores por bônus governamentais- também pode ser observado em outros grandes tomadores de empréstimos, como o Paquistão, a Sérvia e a Ucrânia, que sinalizaram igualmente ter a intenção de encerrar seu relacionamento com o FMI.
"Em tempos de vacas gordas, ninguém pede socorro ao Fundo", disse Liliana Rojas-Suárez, ex-economista do FMI, que atualmente trabalha no Center for Global Development (Centro para o Desenvolvimento Mundial) em Washington.
O resultado disso foi a perda da receita gerada pelos juros, que levou o FMI a reduzir sua estimativa de lucros em cerca de 40% para o ano fiscal que se encerra em abril próximo. Agora o Fundo prevê registrar um déficit orçamentário de mais de US$ 116 milhões neste ano. Esse fato serviu de incentivo a seus críticos, que pediram ao órgão que reduzisse a concessão de empréstimos e se concentrasse mais em oferecer orientação econômica.
"Isso deve obrigar o Fundo Monetário a se perguntar o que está fazendo e o que deveria estar fazendo", disse Allan Meltzer, professor da Universidade Carnegie Mellon University em Pittsburgh, que em 2000 liderou uma comissão parlamentar norte-americana que investigou o FMI. "Se o interesse for puramente comercial, o fundo se tornará menos relevante", afirmou.
"É provável que o FMI invista parte de suas reservas, num momento em que tenta buscar formas de compensar a queda de seu lucro líquido", disse Thomas Dawson, porta-voz do diretor-gerente do FMI, Rodrigo Rato.
Fundado após o final da Segunda Guerra Mundial para promover a estabilidade da economia mundial, o FMI geralmente concede empréstimos aos países sob a condição de que eles efetuem algumas alterações em suas políticas econômicas, como a redução da taxa de inflação.
Com a proximidade das eleições no Brasil e na Argentina, essas condições se tornaram impopulares nesses dois países, onde a população tem atribuído as crises econômicas às mudanças determinadas pelo FMI. E Brasil e Argentina não estão sozinhos.
O Paquistão, o quarto maior tomador de empréstimos do FMI, agora que a Argentina se afastou, possui uma dívida de US$ 1,51 bilhão junto ao fundo e diz que está tentando reduzir sua dependência da instituição.
A Ucrânia, o quinto maior tomador de empréstimos do FMI, disse em 2004 que provavelmente recusará qualquer oferta adicional de auxílio financeiro por parte do órgão. E a Sérvia, que deve ao FMI cerca de US$ 874 milhões, disse no mês passado que não pedirá mais nenhum empréstimo.

Mais quitações
Há um ano, a Rússia adiantou o pagamento de sua dívida de US$ 3,3 bilhões com o FMI após sete anos consecutivos de expansão econômica. Em 2003, a Tailândia honrou suas obrigações, dois anos antes do prazo final.
As condições impostas pelo FMI ao conceder empréstimo a um país raramente contam com o apoio da população local, disse Desmond Lachman, que trabalhou 24 anos como economista do FMI e atualmente atua como pesquisador sênior do American Enterprise Institute, instituto de pesquisa de Washington. "A antecipação dos pagamentos é politicamente muito bem-vista nesses países", afirmou Lachman. "Pagar o FMI antecipadamente significa declarar independência."
Em 2005, a Argentina tentou obter um novo empréstimo com o FMI. As conversações fracassaram após o presidente argentino Néstor Kirchner ter rejeitado as exigências do fundo para que o país eliminasse o limite máximo adotado para as tarifas públicas, reduzisse a intervenção em mercados cambiais e estimulasse a poupança interna.


Texto Anterior: Bolsa segue cenário externo e recua 3,1%
Próximo Texto: Opinião econômica - Luiz Carlos Mendonça de Barros: Uma encruzilhada para o Brasil
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.