São Paulo, domingo, 03 de março de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Novo mergulho ainda é possível na economia dos EUA

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

As notícias sobre a economia dos Estados Unidos nos últimos dias parecem talhadas para criar uma nova onda de otimismo nos mercados. A quantidade de indicadores positivos num mesmo período é impressionante.
Na indústria, as informações recentes sugerem aquecimento da produção. Depois de um período de 19 meses em contração, vários setores industriais dão mostras de revigoramento.
Ou seja, o sintoma é que finalmente o excesso de estoques, um dos fatores recessivos mais importantes, pode estar dando lugar a empresas mais enxutas, que respondem a aumentos de demanda por seus produtos elevando a produção, isto é, contratando mais gente.
Além da indústria, há sinais positivos na construção civil (que também se beneficia de juros muito baixos) e mesmo no nível de renda dos norte-americanos (0,4% em janeiro, a alta mais expressiva dos últimos seis meses).
É mesmo o final da recessão? Ou, como já apontam algumas análises, seria o caso de até mesmo duvidar de que aconteceu, afinal, uma recessão nos Estados Unidos?
Há pelo menos dois motivos para continuar cético, um de natureza mais geral, outro ligado ao perfil setorial dos indicadores de crescimento disponíveis.
O argumento mais geral tem como ponto de partida a distinção entre tipos de crescimento econômico. O que parece evidente nos Estados Unidos é que se trata de um aquecimento condicionado pelos ciclos de estoques.
Estoques baixos levam a reações mais rápidas das empresas, que aumentam seus níveis de produção e contratam mais diante até mesmo de pequenos aumentos de renda e demanda por seus produtos.
Esse tipo de crescimento está mais ligado a ciclos de curto prazo, que respondem às oscilações dos mercados varejistas.
Tipo diferente de crescimento é aquele que se ampara menos no ciclo comercial e mais na recuperação da lucratividade das empresas. Nesse crescimento o que puxa a recuperação é o investimento, não o consumo.
Ainda não há sinais de que a economia norte-americana esteja em condições de passar rapidamente do primeiro para o segundo tipo de crescimento.
Além da diferença entre queimar estoques e aumentar a capacidade produtiva, há uma dimensão setorial que deve ser pesada.
Em economia, falar em investimento, em ampliação da capacidade produtiva e renovação industrial significa identificar os elos entre decisões empresariais e perspectivas de inovação e apostas em novas tecnologias.
Ora, é justamente num dos setores que mais tiveram importância no ciclo mais recente de investimentos nos Estados Unidos, o de telecomunicações, que os indicadores continuam deprimidos.
Excesso de capacidade produtiva, estoques monumentais de dívidas e crescimento baixo formam uma combinação pouco animadora nesse setor que define tendências em termos de produtividade, inovação tecnológica e flexibilização produtiva.
Isso explica por que a expressão do momento nos Estados Unidos é "double dip" (duplo mergulho). Embora os últimos dias tenham registrado uma safra impressionante de indicadores positivos, o que diminui a chance de uma recessão mais longa, ainda há quem tema um novo mergulho da economia norte-americana mais adiante. É cedo para comemorar.


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