São Paulo, domingo, 03 de março de 2002

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ACORDO BILATERAL

Livre comércio entre os dois países esbarra nos mesmos problemas que dificultam a formação da Alca

Negociações entre EUA e Chile empacam

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

As negociações para um acordo de livre comércio entre os EUA e o Chile empacaram. Depois de dez rodadas de conversas, os dois governos não conseguem chegar a um consenso sobre os mesmos temas que assombram a Alca e dos quais pretendiam desviar-se ao optarem pela conversa bilateral.
Entre esses temas estão a insistência dos EUA e a resistência do Chile em incluir cláusulas trabalhistas e ambientais no texto final do acordo, o pedido chileno para os norte-americanos mudarem suas regras antidumping e o acesso ao mercado nos dois países.
Além disso, uma nova exigência norte-americana traz enorme dificuldades adicionais às conversas. Segundo apurou a Folha junto a negociadores dos dois países, os EUA passaram a interessar-se pelas contas individuais de aposentadoria dos seis milhões de trabalhadores chilenos.
Trata-se de uma quantia equivalente a US$ 30 bilhões - 45% do PIB do Chile. Essas contas são alardeadas como um exemplo bem-sucedido de privatização da previdência.
Embora tenham sempre elogiado o Chile por seu sistema privado de aposentadoria, os EUA agora querem mais: exigem que o país derrube todas as restrições que impedem o investimento de 70% desses recursos no exterior.
"Num determinado momento das negociações, os norte-americanos pleitearam que nós suprimíssemos o limite desses recursos que podem ser investidos no exterior", disse o embaixador do Chile em Washington, Andrés Bianchi. "A delegação chilena não considera isso conveniente. É justamente por meio desse controle que podemos manejar um pouco os fluxos financeiros. Além disso, o mercado de capitais do Chile, que não existia no passado recente, desenvolveu-se por causa deles", declarou.
Com esse pedido, os EUA desejam que a maior parte desses recursos passem a ser investidos em ações de empresas norte-americanas e em outros investimentos nos EUA.
As negociações entre os dois países foram anunciadas em dezembro 2000 pelo ex-presidente dos EUA, Bill Clinton, para acelerar a integração comercial hemisférica e convencer os países reticentes à Alca (Área de Livre Comércio das Américas) a se sentarem à mesa de negociações.
Ao assumir a Casa Branca em janeiro de 2001, a equipe do presidente George W. Bush viu nessas negociações um instrumento para acelerar a integração hemisférica. O negociador comercial dos EUA, Robert Zoellick, chegou a declarar que acordos bilaterais de comércio como o negociado entre os EUA e o Chile mostravam aos países contrários à integração comercial o "risco de serem deixados para trás".
Bush anunciara o mês de dezembro de 2001 como o prazo final das negociações entre os dois países. Em dezembro, a Folha perguntou ao vice-representante comercial dos EUA, Peter Allgeier, se esse prazo seria mantido. "O acordo deve estar sendo concluído em janeiro", disse ele. Naquela ocasião, Allgeier confirmou à Folha o interesse norte-americano nas contas individuais de aposentadoria dos chilenos, mas afirmou que isso não inviabilizaria o desfecho das negociações.

Sem diretrizes
A última rodada de negociações entre os dois países foi em janeiro. Outras duas estão marcadas para março e abril. "Tentaremos resolver todos os temas, inclusive a inclusão de cláusulas trabalhistas e ambientais. São temas que não podemos discutir em profundidade porque os EUA não quiseram", disse Bianchi. "A delegação norte-americana não tem diretrizes sobre esses assuntos. Supunha-se que essas diretrizes estariam no projeto de TPA (Trade Promotion Authority)."
O TPA a que se referiu Bianchi é um mecanismo que permite à Casa Branca acelerar negociações comerciais externas. Por meio dele, o Congresso renuncia ao seu direito de emendar os acordos fechados pela Casa Branca, limitando-se a aprová-los ou a rejeitá-los.
No ano passado, o plenário da Câmara e uma comissão do Senado norte-americanos aprovaram duas versões de projetos de TPA que, entre outros assuntos, obrigam o presidente norte-americano a monitorar o cumprimento de todos os direitos do trabalho nos países que pretendam ser parceiros comerciais dos EUA. Chile e Brasil criticaram duramente esse ponto do projeto, mas aguardam a aprovação final do texto.
Quando os EUA anunciaram o início de suas negociações com o Chile, acreditava-se que, diferentemente de acordos na OMC (Organização Mundial de Comércio) e na Alca, elas não dependeriam da TPA. Os fatos mostram uma realidade distinta.
Apesar dessas dificuldades, Bianchi e Allgeier acreditam que as negociações possam ser concluídas em algum momento durante o primeiro semestre. "Supondo-se que os temas pendentes avancem", disse o embaixador do Chile.
No momento, o governo Bush está negociando acordos bilaterais de comércio com Chile e com Cingapura. Além disso, quer começar conversas com vários países da África e da América Central. Os EUA já têm acordos bilaterais México, Canadá, Israel e Jordânia.


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