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OPINIÃO
Países ainda dominam o mundo
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
Das maiores economias do
mundo, 51 são empresas;
apenas 49 são países. Os críticos
da "globalização corporativa", alguns dos quais protestaram contra a reunião anual do Fórum
Econômico Mundial em Nova
York, se baseiam nesse suposto
fato para justificar sua opinião de
que os governos estão prostrados
diante do poder descontrolado
das grandes empresas.
Trata-se de uma ilusão paranóica. Os cálculos do tamanho relativo das empresas, sobre os quais
tantas das alegações dos críticos
da globalização dependem, vêm
do Instituto de Estudos Políticos,
uma organização de tendências
esquerdistas sediada em Washington. Mas os números se baseiam em uma mancada monumental. Os autores do estudo, Sarah Anderson e John Cavanagh,
computam o tamanho das empresas com base em seu faturamento, mas o das economias nacionais com base em seu Produto
Interno Bruto (PIB).
No entanto, o PIB é uma medida de valor acrescentado, e não de
vendas. Se computássemos todas
as vendas em um país, terminaríamos com um número muito
superior ao PIB. E obviamente estaríamos também contando em
duplicata, triplicata ou mais.
Para tomarmos apenas um
exemplo, a Bethlehem Steel vende
cabos de aço para a Bridgestone,
que vende pneus para a Ford, a
qual por sua vez vende carros aos
consumidores. Se os estatísticos
que estudam a renda nacional somassem as vendas da Bethlehem
Steel, Bridgestone e Ford, o aço
seria computado três vezes. Em
vez disso, computam o valor
acrescentado pelas empresas envolvidas, ou seja a diferença entre
seu faturamento de vendas e o
custo dos insumos adquiridos fora da companhia.
Esse exemplo vem de um estudo preparado por Paul de Grauwe, da Universidade de Leuven, e
Filip Camerman, do Senado belga, no qual as alegações empíricas
dos inimigos das grandes empresas são demolidas. O que acontece, perguntam os autores, se as
corporações passarem a ter seus
resultados medidos pelo valor
acrescentado, como ocorre com
as economias nacionais? A resposta é que elas sofrem reduções
de 70% a 80% em suas dimensões
totais. Em 2000, as vendas da General Motors foram de US$ 185
bilhões, mas o valor acrescentado
pela empresa foi de US$ 42 bilhões. As da Ford foram de US$
170 bilhões, com valor acrescentado de US$ 47 bilhões; e as da Royal Dutch/Shell foram de US$ 149
bilhões, mas com valor acrescentado de apenas US$ 36 bilhões. Os
críticos argumentam que, em
1999, 14 das 50 maiores economias e 51 das 100 maiores economias eram empresas. Na verdade,
só duas das dez maiores economias e 37 das 100 maiores, sob o
critério do valor adicionado, são
empresas. Críticos alegam que a
General Motors é maior que a Dinamarca. Mas sob os critérios
corretos, a economia dinamarquesa é mais de três vezes maior
que a GM. Até Bangladesh tem
economia maior do que a GM.
Poderes nacionais
O ponto fraco desse tipo de alegação é não apenas factual como
conceitual, já que países e empresas são radicalmente diferentes.
Um país tem controle coercivo
sobre sua população e território.
Até mesmo o mais fraco dos Estados pode forçar milhares de pessoas a fazerem coisas que prefeririam não fazer: pagar impostos,
por exemplo. As empresas funcionam de maneira muito diferente: dependem de competitividade e não de coerção.
Será que alguém duvida que o
sistema judiciário dos EUA teria
conseguido dividir a Microsoft se
realmente o desejasse? Ou que a
Microsoft mesma desapareceria
se deixasse de produzir o software
que seus clientes desejam? Até os
direitos de propriedade das empresas estão sujeitos ao poder
coercivo do Estado. Nos anos 70,
por exemplo, as mais fortes das
empresas petroleiras se provaram
incapazes de resistir à nacionalização de ativos que lhes pertenciam por países bastante fracos.
Alguns dos pontos podem ser
ilustrados empiricamente. Já que
as empresas precisam competir, é
possível que fracassem. E o fazem.
Alguns países têm desempenho
superior ao de outros. Mas os altos e baixos na vida das grandes
empresas são muito mais dramáticos. Entre 1980 e 2000, 20 empresas saíram do ranking das 50
maiores compilado pela revista
"Fortune", e cinco das 10 maiores
em 1980 já não lideravam o ranking em 2000. O poder econômico das grandes empresas -seu
domínio dos mercados em que
operam- é limitado. Também
há indícios de declínio no poder
econômico das grandes empresas. Um dos indicadores desse poder é a concentração de mercado,
sob a suposição -seguramente
questionável- de que isso indique o potencial de lucros monopolistas. No entanto, não há indicação de um aumento generalizado na concentração. Em alguns
setores importantes -telecomunicações, por exemplo-, a concentração certamente declinou.
O mais importante é que as suposições dos críticos da globalização são deformadas. A globalização significa aumento na competição e redução no poder monopolista. Pergunte à GM ou à Ford
o que a Toyota quer dizer a elas.
Números errôneos, compreensão incorreta das tendências e,
acima de tudo, uma estrutura de
análise enganosa -os críticos são
culpados de todos esses equívocos. Mas o pior deles é o último.
Ao comparar a capacidade de
crescimento das empresas com a
capacidade dos governos para
exercer poder coercivo, eles são
culpados de, no mínimo, confusão, e talvez até de uma deliberada
distorção da verdade.
As empresas não podem ser
comparadas a Estados. Mesmo
que fossem muito maiores do que
são, a comparação não seria pertinente. Será que isso significa que
não há nada a criticar no poderio
das grandes empresas? Longe disso. Dois pontos são corretos. Primeiro, a abertura das fronteiras
amplia o número de opções para
os cidadãos, particularmente para
os proprietários de fatores móveis
de produção. Isso limita o poder
coercivo dos Estados. Para os críticos, isso é uma erosão da democracia. Para os defensores das empresas, representa um ganho de
liberdade individual. Ambas as
posições estão corretas, ainda que
o impacto se deva não às empresas mas aos mercados.
O segundo ponto, mais diretamente relevante, é que as grandes
empresas influenciam as decisões
políticas por meio de lobbies e de
contribuições para campanhas
eleitorais, como demonstra o caso
Enron. Por motivos explicados
por Mancur Olsen, famoso por
sua influente análise sobre a lógica da ação coletiva, os interesses
concentrados geram desfechos
políticos desequilibrados. No entanto, as grandes empresas não
são donas incontestes do universo. O que mudou nos anos 80 e 90
não foi o poder das grandes empresas em si, mas aquilo que os
governos acreditavam funcionaria em termos econômicos.
A mudança que vimos nos últimos 20 anos é uma globalização
conduzida pelo mercado e deflagrada, consciente e voluntariamente, pelos governos. Grandes
empresas não são tão grandes ou
poderosas quanto dizem os críticos. A crença na posição oposta é
só mais uma lenda urbana.
Tradução de Paulo Migliacci
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