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São Paulo, segunda-feira, 03 de março de 2003

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ANO DO DRAGÃO

Para que preços parassem de subir, 832 mil trabalhadores deveriam perder o emprego, sugere fórmula

Desemprego alto segura inflação, diz Ipea

Luiz Carlos Murauskas - 26.fev.03/Folha Imagem
Metalúrgicos promovem manifestação à porta da Fiesp; em janeiro, o desemprego em São Paulo atingiu 18,6% da população ativa


MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Quanto o desemprego ainda precisa aumentar para que a inflação se estabilize? A pergunta -politicamente incorreta, na aparência- foi feita pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) com base na teoria segundo a qual certa dose de desemprego faz bem à saúde da economia e freia a inflação.
A resposta do Ipea: "Um ponto percentual acima da taxa [de desemprego" observada no final de 2002". Em outras palavras, para que a inflação parasse de subir, 832 mil trabalhadores deveriam perder o emprego no país ou 187 mil no universo das seis regiões metropolitanas em que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) faz pesquisa de desemprego.
São muitas vezes o número de beneficiários do projeto-piloto do Fome Zero -principal ação social do governo Luiz Inácio Lula da Silva-, que pretende atender a mil famílias até o final do primeiro semestre.
A distância entre o resultado do exercício do Ipea e o programa de governo da campanha de Lula, que prometeu prioridade ao combate do desemprego, causou indigestão na Esplanada dos Ministérios. O Ipea, como se sabe, é órgão do próprio governo, subordinado ao Ministério do Planejamento.
O instituto aplicou uma fórmula econométrica, a Nairu (do inglês Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment), nascida da teoria de um economista britânico nos anos 50, chamada de curva de Phillips.
O que os economistas do Ipea viram, com base no modelo, é que a taxa de desemprego medida pelo IBGE, já descontados efeitos sazonais, está distante do que seria uma taxa de desemprego ideal para estabilizar a inflação.

Mais aperto
Segundo o diretor de Assuntos Macroeconômicos do Ipea, Eustáquio Reis, pode-se até discutir o modelo, mas ele dá uma indicação clara de que é preciso apertar as políticas fiscal e monetária.
São coisas que o governo Lula já está fazendo ao aumentar duas vezes os juros (que subiram de 25% para 26,5% em um mês e meio de mandato do presidente) e cortar gastos públicos em R$ 14,1 bilhões, mais de 22% de tudo o que ainda havia disponível para investimento e manutenção da máquina no Orçamento, via aumento da meta de superávit primário (a economia de gastos para pagamento de juros).
"Isso significa desemprego, e ninguém gosta disso", arremata Reis. Ou seja, o governo pode até reclamar do exercício matemático disponível no endereço eletrônico www.ipea.gov.br, mas, na prática, está indo na mesma direção das suas conclusões. "Não há muita alternativa, é preciso desaquecer a economia", insiste Reis.
O Ipea ainda não fez a conta se as medidas adotadas até aqui darão conta do serviço ou se um novo ajuste vai precisar ser feito em consequência da iminência de guerra e da perspectiva de nova aceleração da inflação.
Nos últimos dias, a expectativa média do mercado, apurada pelo Banco Central, apontou uma inflação de 12,06% medida pelo IPCA, bem acima da nova meta de inflação, de 8,5%, para o ano. No dia seguinte à divulgação do relatório do BC, o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) divulgou desemprego recorde na região metropolitana de São Paulo: 18,6% da população economicamente ativa ou 82 mil desempregados a mais que em janeiro do ano passado.

Modelo
A Nairu, que sustenta o exercício do Ipea, não pode ser vista como tabu. Já houve quem a desafiasse na terra que popularizou a fórmula -por exemplo, o presidente do Federal Reserve (banco central dos EUA), Alan Greenspan, no início dos anos 90, quando os Estados Unidos lutavam contra uma recessão.
"Até gosto da curva de Phillips, mas isso só funciona quando o emprego está elevado e pode acelerar a inflação. Não faz sentido no cenário atual: o nível de desemprego atual não gera pressão inflacionária", diz o ministro Guido Mantega (Planejamento).
Em nota produzida para rebater as conclusões do Ipea, o Ministério do Trabalho sustenta que as metas de geração de empregos "não são invalidadas" pelas implicações do modelo de desemprego coerente com a inflação. "Não necessariamente o mercado de trabalho tem de ser a válvula de escape das pressões inflacionárias", diz a nota.
Para o ministro Jaques Wagner (Trabalho), continua de pé a prioridade de Lula de combater o desemprego. Durante a campanha, o presidente citou a criação de 10 milhões de empregos.


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