São Paulo, quinta-feira, 03 de março de 2005

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RECEITA ORTODOXA

Para Henrique Meirelles, queda de taxas só acontecerá com estabilidade, e não com medidas "artificiais"

País pode "sonhar com juro menor", diz BC

VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Criticado pela seqüência de aumento de juros, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, diz que o país pode "sonhar com taxas de juros reais" menores até do que a defendida pelo seu colega José Dirceu (Casa Civil), que chegou a falar em 6% ao ano.
Alertou, porém, de que não será por meio de medidas voluntaristas que elas se tornarão menores, mas mantendo a política econômica atual e aprofundando as reformas. Entre elas, as da Previdência e do mercado de trabalho.
A seguir, a entrevista que Meirelles concedeu à Folha na terça, quando saiu o resultado do PIB.

 

Folha - O resultado do PIB (expansão de 5,2%) é uma resposta às críticas sobre a política monetária?
Henrique Meirelles -
O resultado não é uma resposta por definição, mas representa a confirmação do acerto da política econômica. Temos dito, e isso está cada vez mais claro, que política econômica tem que ser medida por resultado.

Folha - Mas e a crítica sobre o BC travar o crescimento com os contínuos aumentos dos juros? Como o senhor responde a essas críticas?
Meirelles -
Lembrando que, em janeiro e fevereiro de 2004, os mesmos analistas previram que o PIB de 2004 não iria crescer acima de 3% porque o BC havia interrompido o corte de juros em janeiro daquele ano. Portanto, não há resposta possível que não seja o desempenho real da economia.

Folha - O crescimento em 2004 partiu de base de comparação baixa em 2003 (0,5%). Ao longo de 2003, os juros estavam em queda. Não é mais difícil manter um forte crescimento em 2005?
Meirelles -
Não necessariamente. O Brasil cresceu de 1990 até 2003 a uma taxa média de 1,8%. De um lado, existem algumas vantagens em crescer a partir de uma base baixa. Mas existem também muitas dificuldades em crescer de uma base baixa. Países que estão crescendo a taxas aceleradas tendem a ter maiores condições estruturais de continuar a crescer. Não é trivial dizer que você sai de uma base de crescimento baixa para uma base alta. É o contrário, nós vemos exatamente as dificuldades de tirar o país de uma taxa de crescimento baixa e estabilizá-lo em taxas mais elevadas.

Folha - A taxa real de juros ficou abaixo de 10% por pouco tempo. O Brasil tem condições de conviver com uma taxa inferior a um dígito?
Meirelles -
Todos nós estamos trabalhando para ter taxas de juros reais as menores possíveis. Só que a taxa de juro real é determinada pela economia, não por aquilo que nós queremos. Compete ao BC calibrar a política monetária de maneira a ter a inflação convergindo para as metas.

Folha - O Brasil tem condição de conviver com juro real abaixo de 10% ou não?
Meirelles -
É a nossa esperança que, com uma história sendo construída com estabilidade monetária, política fiscal responsável, estabilidade macroeconômica, a relação dívida/PIB em queda, uma série de índices de solvência externa melhores, possamos ter, no devido tempo, taxas reais de juros menores, não há dúvidas.

Folha - O ministro José Dirceu chegou no ano passado a falar em uma taxa real de 6%.
Meirelles -
Eu acho que nós temos de sonhar com taxas de juros reais até mais baixas. Temos de trabalhar duro para isso. Mas não depende de medidas artificiais ou voluntaristas do BC. Depende basicamente da continuidade do esforço de manutenção da estabilidade para diminuir o prêmio de risco de inflação, de manutenção da trajetória cadente da relação dívida/PIB, de reformas institucionais, seja na área da Previdência, na área do mercado de trabalho, a reforma do Judiciário, de modo que reduzamos cada vez mais a incerteza jurídica para que o risco possa cair.

Folha - O clima no Congresso não é propício hoje para essas reformas. Isso não prejudica o caminho para juros menores?
Meirelles -
Espero que não, espero que se separe muito bem no Congresso aquilo que são questões políticas daquilo que são questões congressuais, daquilo que são reformas estruturais do país. Nossa expectativa é que as questões terão trâmite normal.

Folha - A crise política aberta hoje entre o governo do presidente Lula (PT) e os tucanos (PSDB) não dificulta, por exemplo, uma segunda rodada da reforma da Previdência e a própria autonomia do BC?
Meirelles -
Espero que não. Espero que a luta política não influencie a discussão e a votação de assuntos que são de interesse da nação, que não são interesse de um ou de outro partido político. Algumas dessas reformas foram até propostas do governo anterior.

Folha - O senhor continua a acreditar na autonomia do BC para este ano ainda?
Meirelles -
Não fazemos no BC previsões sobre a questão da autonomia, na medida em que nós temos uma autonomia prática.

Folha - Segundo suas palavras, o resultado do PIB confirma que a política econômica está no caminho certo e que é preciso aprofundar essa política. Conceder autonomia ao BC é aprofundar a atual política econômica?
Meirelles -
O Ministério da Fazenda colocou em seu site no final do ano passado como uma das reformas fundamentais a proposta de autonomia do BC. Isso está respondido pela Fazenda.

Folha - E a taxa de câmbio, que não pára de cair?
Meirelles -
E as exportações, batendo US$ 100 bilhões em 12 meses, e o saldo comercial de US$ 35 bilhões?

Folha - Mas não é melhor para o Brasil também, no sentido de reduzir a vulnerabilidade externa?
Meirelles -
O Banco Central não pode trabalhar com diversas metas específicas, contraditórias. O BC tem uma meta, a de inflação. O BC tem um objetivo, que é o de construção das reservas do país e a diminuição da dívida indexada ao câmbio. Estamos perseguindo esses objetivos com grande sucesso e também a meta de inflação.

Folha - O ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore sugeriu impor IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) sobre o ingresso de capitais para conter a apreciação do real. Como o sr. avalia a proposta?
Meirelles -
Nós ouvimos todas as sugestões e não reagimos a sugestões, pois não compete ao BC comentar sugestões. O Banco Central faz alguma coisa ou não faz, e o mercado e a sociedade ficam sabendo se fez ou se não fez.

Folha - Em sua avaliação, o Brasil renova o acordo com o FMI?
Meirelles -
Não cheguei a uma conclusão. Vamos chegar a uma conclusão e anunciar.

Folha - Vale a pena correr o risco de ficar sem o apoio do FMI nas eleições de 2006?
Meirelles -
Há vantagens e desvantagens. De um lado, o acordo com o Fundo traz uma segurança em relação à possibilidade de crise externa. De outro, a ausência do acordo mostra o compromisso do Brasil com a estabilidade fiscal e monetária. São vantagens e desvantagens bem equilibradas.


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