São Paulo, quarta-feira, 03 de março de 2010

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VINICIUS TORRES FREIRE

Saudades da Bahia e da ortodoxia


Establishment da economia global faz autocrítica; o do Brasil ainda fala de política econômica apenas no singular

POUCO ANTES da barafunda financeira de 2008, diretores do Banco Central diziam que o Brasil também embarcara na era da "grande moderação". Trata-se de uma expressão difundida pelo professor Ben Bernanke, hoje presidente do Fed. A "grande moderação" caracterizaria os anos posteriores às grandes inflação e recessão americanas dos anos 1980 e início dos 90, uma espécie de idade do ouro da política econômica, da política monetária (de juros) em particular.
Nos anos da "grande moderação", final dos 1990 e 2000, os períodos de crescimento da economia seriam mais compridos; as recessões, mais curtas. Os BCs haviam desenvolvido a ciência de domar a inflação antes que ela fugisse da jaula. Evitavam, assim, a necessidade de fortes pancadas de juros. Os mercados financeiros haviam ficado mais completos; diluíam riscos.
Como se viu, a "grande moderação" foi um período de bolhas financeiras cada vez maiores, de castelos no ar, de riqueza artificial, ficções que financiaram o excesso de consumo americano. Enfim, tratava-se de uma grande empulhação, que custou trilhões aos governos, aos pagantes de impostos, sem o que a economia mundial teria ido à breca.
No Brasil, a política monetária entregou o que prometia, inflação controlada, provavelmente à custa de algum exagero nos juros, pois o mercado chuta as taxas para cima e o BC muita vez chancela os "pedidos de prêmio" da praça financeira. Ainda assim, a história da "grande moderação" era conversa. Até mesmo grandes consensos da política econômica começaram a rachar. E daí?
E daí que ontem o presidente do BC do Brasil, Henrique Meirelles, disse que as diretrizes de política econômica adotadas pelos governos FHC 2 e Lula não deixam espaço para mudanças que ameacem a estabilidade (trata-se do "tripé" redução da dívida pública, metas de inflação e câmbio flutuante). Ficou difícil de entender se qualquer mudança no "tripé" ameaça a estabilidade ou se o objetivo é a estabilidade, qualquer que seja a política econômica.
O economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, assinou um artigo em que se começa a repensar cláusulas pétreas da dita "ortodoxia".
Blanchard, note-se, é professor do MIT; escreveu um dos melhores e mais difundidos livros de introdução à macroeconomia. Logo, não é um estranho no ninho. Blanchard discute, por exemplo, a questão de metas de inflação muito baixas; admite que estabilizar a taxa de câmbio real seria um objetivo louvável ou mesmo desejável dos bancos centrais (o que não é possível num sistema de metas de inflação).
Insuspeitos importantes, grandes reguladores do mercado, acadêmicos "top" e instituições da governança financeira global revisam as críticas que faziam a coisas como controle da entrada excessiva e tumultuária de capitais estrangeiros.
Não se trata de dizer "liberou geral", que a política econômica foi à casa da mãe Joana. Como se sabe mais ou menos desde o Império Romano, governos com deficit excessivos sufocam os cidadãos e desbaratam a moeda; quebram ou provocam ineficiências e, de resto, inflações. Mas, ao falar em "estabilidade econômica", é bom perguntar: "Qual delas? Por quais meios?".

vinit@uol.com.br


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