|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Um debate na Alemanha
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
No brasil , o debate sobre
questões econômicas internacionais, inclusive as de nosso
interesse, esbarra em limitações
tremendas. Em geral, o medo de
parecer "heterodoxo" ou "imaginativo" leva os economistas brasileiros a uma paralisia mental.
Ficamos quase sempre presos ao
estritamente convencional. E, se
por um acaso funesto baixa uma
idéia um pouco diferente, instala-se imediatamente um princípio
de pânico e logo sofremos inibições convulsivas.
Escrevo de Berlim, onde participei ontem de uma audiência pública organizada pelo Parlamento alemão sobre a prevenção de
crises financeiras internacionais e
a reestruturação de dívidas externas. Cabia-me apresentar um
ponto de vista brasileiro em um
painel constituído basicamente
por especialistas alemães, entre
eles o diretor-executivo da Alemanha no FMI, um diretor do
Bundesbank (o banco central alemão), alguns professores universitários e um diretor do Kreditanstalt für Wiederaufbau (o
banco oficial encarregado do
apoio às exportações).
A primeira coisa que chama a
atenção é a liberdade e a naturalidade com que os alemães abordam temas considerados "perigosos" no Brasil. Por exemplo: a
conveniência de controlar, no
âmbito nacional, os movimentos
internacionais de capital.
O Bundesbank apresentou, na
audiência, documento em que a
limitação dos fluxos de capital de
curto prazo é vista, em primeira
linha, como uma obrigação das
autoridades nacionais de cada
país, que devem procurar alcançar "uma estrutura de endividamento sadia". O banco central
alemão vê com certa simpatia
não só controles preventivos sobre
a entrada de capitais (como os
aplicados no Chile, por exemplo)
mas também controles emergenciais sobre a saída de capitais (como os da Malásia).
Os controles instituídos em 1998
pela Malásia tiveram o propósito
de fazer face a uma crise de balanço de pagamentos sem incorrer no custo recessivo de uma política monetária mais restritiva.
Esses controles foram muito criticados na época, mas não trouxeram, segundo o Bundesbank,
grandes custos para o país. O
exemplo da Malásia, afirma o
banco central cautelosamente,
"enfraquece a suspeita" de que essa forma de controle de capital é
sempre prejudicial para um país
(Deutsche Bundesbank, "Internationales Insolvenzrecht und präventive Politik zur Verhinderung
von Finanzkrisen", Frankfurt/
Main, 25 de março de 2003, págs.
12-16).
O documento apresentado pelo
Kreditanstalt für Wiederaufbau
vai na mesma direção. Destaca o
fato conhecido (mas pouco lembrado no Brasil) de que a China e
a Índia, países que não foram
atingidos pela instabilidade dos
mercados financeiros internacionais, adotam controles sobre os
movimentos de capital como prática "normal". Nesses dois países,
"a experiência com controles de
capital, que são partes constitutivas do sistema de política econômica, deve ser classificada como
boa, isto é, como tendo produzido
efeitos estabilizadores e de estímulo ao crescimento". O documento observa, também, que Chile e Malásia foram bem-sucedidos
no uso seletivo e temporário de
controles de capital em reação a
uma crise grave. E lembra, ainda,
que o acordo de Maastricht prevê
para a zona do euro a possibilidade de estabelecer regulamentação
preventiva do movimento de capitais em relação a países extra-zona (Wolfgang Kroh, "Internationales Insolvenzrecht und präventive Politik zur Verhinderung
von Finanzkrisen", Kreditanstalt
für Wiederaufbau, Frankfurt/
Main, 30 de março de 2003, págs.
10, 14 e 16).
No texto apresentado pelo Bundesbank, uma advertência importante é feita de passagem
(atenção, governo brasileiro!): é
mais fácil implementar controles
preventivos em tempos de tranquilidade e menor fuga de capitais, isto é, justamente nos momentos em que eles são (ou parecem ser) menos relevantes...
(Deutsche Bundesbank, op. cit.,
pág. 16)
Infelizmente, o que costuma
prevalecer no Brasil em relação a
temas "perigosos" é aquela nossa
velha mistura de covardia e indolência. Sabemos que o teto da casa está cheio de buracos. Quando
chove, é perigoso subir no telhado. Quando pára a chuva, para
que se incomodar?
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
Texto Anterior: Segundo números do BC, bancos não esperam nova subida do dólar Próximo Texto: Imposto de renda: Guarde os comprovantes até 2008 Índice
|