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São Paulo, quinta-feira, 03 de abril de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Um debate na Alemanha

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

No brasil , o debate sobre questões econômicas internacionais, inclusive as de nosso interesse, esbarra em limitações tremendas. Em geral, o medo de parecer "heterodoxo" ou "imaginativo" leva os economistas brasileiros a uma paralisia mental. Ficamos quase sempre presos ao estritamente convencional. E, se por um acaso funesto baixa uma idéia um pouco diferente, instala-se imediatamente um princípio de pânico e logo sofremos inibições convulsivas.
Escrevo de Berlim, onde participei ontem de uma audiência pública organizada pelo Parlamento alemão sobre a prevenção de crises financeiras internacionais e a reestruturação de dívidas externas. Cabia-me apresentar um ponto de vista brasileiro em um painel constituído basicamente por especialistas alemães, entre eles o diretor-executivo da Alemanha no FMI, um diretor do Bundesbank (o banco central alemão), alguns professores universitários e um diretor do Kreditanstalt für Wiederaufbau (o banco oficial encarregado do apoio às exportações).
A primeira coisa que chama a atenção é a liberdade e a naturalidade com que os alemães abordam temas considerados "perigosos" no Brasil. Por exemplo: a conveniência de controlar, no âmbito nacional, os movimentos internacionais de capital.
O Bundesbank apresentou, na audiência, documento em que a limitação dos fluxos de capital de curto prazo é vista, em primeira linha, como uma obrigação das autoridades nacionais de cada país, que devem procurar alcançar "uma estrutura de endividamento sadia". O banco central alemão vê com certa simpatia não só controles preventivos sobre a entrada de capitais (como os aplicados no Chile, por exemplo) mas também controles emergenciais sobre a saída de capitais (como os da Malásia).
Os controles instituídos em 1998 pela Malásia tiveram o propósito de fazer face a uma crise de balanço de pagamentos sem incorrer no custo recessivo de uma política monetária mais restritiva. Esses controles foram muito criticados na época, mas não trouxeram, segundo o Bundesbank, grandes custos para o país. O exemplo da Malásia, afirma o banco central cautelosamente, "enfraquece a suspeita" de que essa forma de controle de capital é sempre prejudicial para um país (Deutsche Bundesbank, "Internationales Insolvenzrecht und präventive Politik zur Verhinderung von Finanzkrisen", Frankfurt/ Main, 25 de março de 2003, págs. 12-16).
O documento apresentado pelo Kreditanstalt für Wiederaufbau vai na mesma direção. Destaca o fato conhecido (mas pouco lembrado no Brasil) de que a China e a Índia, países que não foram atingidos pela instabilidade dos mercados financeiros internacionais, adotam controles sobre os movimentos de capital como prática "normal". Nesses dois países, "a experiência com controles de capital, que são partes constitutivas do sistema de política econômica, deve ser classificada como boa, isto é, como tendo produzido efeitos estabilizadores e de estímulo ao crescimento". O documento observa, também, que Chile e Malásia foram bem-sucedidos no uso seletivo e temporário de controles de capital em reação a uma crise grave. E lembra, ainda, que o acordo de Maastricht prevê para a zona do euro a possibilidade de estabelecer regulamentação preventiva do movimento de capitais em relação a países extra-zona (Wolfgang Kroh, "Internationales Insolvenzrecht und präventive Politik zur Verhinderung von Finanzkrisen", Kreditanstalt für Wiederaufbau, Frankfurt/ Main, 30 de março de 2003, págs. 10, 14 e 16).
No texto apresentado pelo Bundesbank, uma advertência importante é feita de passagem (atenção, governo brasileiro!): é mais fácil implementar controles preventivos em tempos de tranquilidade e menor fuga de capitais, isto é, justamente nos momentos em que eles são (ou parecem ser) menos relevantes... (Deutsche Bundesbank, op. cit., pág. 16)
Infelizmente, o que costuma prevalecer no Brasil em relação a temas "perigosos" é aquela nossa velha mistura de covardia e indolência. Sabemos que o teto da casa está cheio de buracos. Quando chove, é perigoso subir no telhado. Quando pára a chuva, para que se incomodar?


Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

E-mail - pnbjr@attglobal.net


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