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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Um ano monótono!
RICARDO CARNEIRO
Atribui-se a expressão acima ao então presidente do
Banco Central, o economista
Gustavo Franco, dita em ocasião
em que comentava as perspectivas do financiamento externo para a economia brasileira em 1998.
O desenrolar do ano mostrou-se
bem mais dramático: o real foi vítima de um intenso ataque especulativo, acarretando uma expressiva saída de capitais e a redução do patamar de reservas, o
que obrigou o país a recorrer ao
FMI (Fundo Monetário Internacional). O relevante não é o erro
de previsão, aliás bastante comum na profissão, mas a volatilidade e a incerteza típicas dos
mercados financeiros.
Na visão do BC e da Fazenda,
compartilhada pelo mercado, a
economia brasileira hoje seria
muito menos vulnerável a uma
mudança de humor dos mercados financeiros globais. A situação seria confortável a ponto de
permitir abrir mão da renovação
do acordo com o FMI, como foi
decidido recentemente. Para avaliar a correção dessa tese, devem-se considerar pelo menos três dimensões do problema: o quadro
internacional, os fundamentos
da economia doméstica, em particular as suas contas externas, e
a evolução recente do grau de
abertura financeira do país.
No âmbito internacional a
questão não é mais a da possibilidade de mudança, mas a da velocidade de reversão do cenário benigno cujo epicentro é a trajetória
da taxa de juros norte-americana. E não se trata exclusivamente
da taxa de curto prazo decidida
pelo Federal Reserve, mas de todo
o seu espectro, determinado nos
mercados e, portanto, sujeito às
suas avaliações e expectativas. O
aumento da taxa longa no período recente sugere que o mercado
aposta na elevação da taxa de inflação e no endurecimento da política monetária.
Uma reversão do ciclo de liquidez afetará desproporcionalmente os emissores de títulos de
maior risco, o Brasil inclusive. A
sabedoria convencional vê apenas um lado da questão ao assinalar a melhoria dos indicadores de solvência e liquidez do
país como fator de ampliação da
resistência aos choques externos.
De fato, o excepcional crescimento das exportações dos últimos três anos e a amortização
de parte da dívida externa privada ampliaram nossa capacidade de pagamento. A situação
de liquidez só melhorou substancialmente nos últimos meses
por conta das maciças aquisições de reservas por parte do BC
e ainda mais recentemente pela
incorporação das reservas emprestadas pelo FMI às reservas
disponíveis.
O problema dessa visão é que
ela considera apenas as reais e
eventuais exigências de divisas
oriundas de credores e investidores no país. Exclui duas outras demandas potencialmente
mais importantes, resultantes
da recente ampliação da abertura financeira do país. A primeira decorreria da mudança de
posição das operações de derivativos realizadas por "hedge
funds", que, nos últimos meses,
apostou na valorização do real.
A segunda originar-se-ia da
conversão de parcela da poupança financeira de residentes
em investimentos no exterior.
Com as modificações nas regras
cambiais promovidas pelo BC,
aliás de legalidade discutível, ficou mais simples, acessível e barato realizar essas operações.
Quem sabe, talvez, ao sabor da
influência do conjunto dessas
variáveis, o ano de 2005 não seja
lá tão monótono.
Ricardo Carneiro, 52, é professor do
Instituto de Economia e diretor do
Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
E-mail: carneiro@eco.unicamp.br
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