São Paulo, domingo, 03 de abril de 2005

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Um ano monótono!

RICARDO CARNEIRO

Atribui-se a expressão acima ao então presidente do Banco Central, o economista Gustavo Franco, dita em ocasião em que comentava as perspectivas do financiamento externo para a economia brasileira em 1998. O desenrolar do ano mostrou-se bem mais dramático: o real foi vítima de um intenso ataque especulativo, acarretando uma expressiva saída de capitais e a redução do patamar de reservas, o que obrigou o país a recorrer ao FMI (Fundo Monetário Internacional). O relevante não é o erro de previsão, aliás bastante comum na profissão, mas a volatilidade e a incerteza típicas dos mercados financeiros.
Na visão do BC e da Fazenda, compartilhada pelo mercado, a economia brasileira hoje seria muito menos vulnerável a uma mudança de humor dos mercados financeiros globais. A situação seria confortável a ponto de permitir abrir mão da renovação do acordo com o FMI, como foi decidido recentemente. Para avaliar a correção dessa tese, devem-se considerar pelo menos três dimensões do problema: o quadro internacional, os fundamentos da economia doméstica, em particular as suas contas externas, e a evolução recente do grau de abertura financeira do país.
No âmbito internacional a questão não é mais a da possibilidade de mudança, mas a da velocidade de reversão do cenário benigno cujo epicentro é a trajetória da taxa de juros norte-americana. E não se trata exclusivamente da taxa de curto prazo decidida pelo Federal Reserve, mas de todo o seu espectro, determinado nos mercados e, portanto, sujeito às suas avaliações e expectativas. O aumento da taxa longa no período recente sugere que o mercado aposta na elevação da taxa de inflação e no endurecimento da política monetária.
Uma reversão do ciclo de liquidez afetará desproporcionalmente os emissores de títulos de maior risco, o Brasil inclusive. A sabedoria convencional vê apenas um lado da questão ao assinalar a melhoria dos indicadores de solvência e liquidez do país como fator de ampliação da resistência aos choques externos. De fato, o excepcional crescimento das exportações dos últimos três anos e a amortização de parte da dívida externa privada ampliaram nossa capacidade de pagamento. A situação de liquidez só melhorou substancialmente nos últimos meses por conta das maciças aquisições de reservas por parte do BC e ainda mais recentemente pela incorporação das reservas emprestadas pelo FMI às reservas disponíveis.
O problema dessa visão é que ela considera apenas as reais e eventuais exigências de divisas oriundas de credores e investidores no país. Exclui duas outras demandas potencialmente mais importantes, resultantes da recente ampliação da abertura financeira do país. A primeira decorreria da mudança de posição das operações de derivativos realizadas por "hedge funds", que, nos últimos meses, apostou na valorização do real. A segunda originar-se-ia da conversão de parcela da poupança financeira de residentes em investimentos no exterior. Com as modificações nas regras cambiais promovidas pelo BC, aliás de legalidade discutível, ficou mais simples, acessível e barato realizar essas operações. Quem sabe, talvez, ao sabor da influência do conjunto dessas variáveis, o ano de 2005 não seja lá tão monótono.


Ricardo Carneiro, 52, é professor do Instituto de Economia e diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
E-mail: carneiro@eco.unicamp.br


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