São Paulo, domingo, 03 de abril de 2005

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AGENDA MICROECONÔMICA

Especialistas apontam avanços, mas se preocupam com tempo de análise e acúmulo de processos

Nova lei da concorrência sofre críticas

ADRIANA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

As mudanças na atual lei da concorrência, que devem ser votadas pelo Congresso ainda neste ano, resolvem várias quizilas antigas, mas abrem espaço para novos gargalos. Isso preocupa os advogados da área, as empresas e os próprios órgãos de defesa da concorrência -que fizeram parte da discussão das novas normas.
Desde 2003, Seae, SDE e Cade estão envolvidos em discussão para a alteração da lei 8.884, editada em 1994. Querem modernizar o atual regulamento. Nessa tentativa, ainda há arestas a serem aparadas. Uma delas está na criação de um sistema de exame prévio das fusões no país.
Na nova lei, antes de as empresas anunciarem a compra de outra companhia, as entidades reguladoras precisam dar aval à operação. Atualmente, elas fecham contratos, apresentam o fato publicamente e só então vão aos três órgãos pedir o "sim" definitivo. Em caso negativo, a fusão pode até ser embargada e não sair.
Pelo novo modelo, a análise será prévia. Se o negócio infringir regras básicas (levar à dominação de uma empresa num mercado, por exemplo), o acertado entre as empresas sofrerá alterações. Com base no definido pelo Cade, a operação poderá ser fechada.
No entanto toda essa questão esbarra no tempo que os órgãos podem levar para verificar o negócio, que estará parado até o anúncio oficial do conselho.
Teme-se que, numa estrutura com poucos funcionários e recursos para investimentos contingenciados pela União, a máquina emperre. "Se não tiver capacidade de analisar num período muito razoável, vai virar uma bagunça", diz Ricardo Salles, advogado de direito da concorrência do escritório Felsberg e Associados.
"A análise prévia, feita devidamente, é benéfica. Já fazemos paliativos de forma a desinchar os órgãos para que estejamos mais ajustados na hora da entrada da lei", diz Barbara Rosenberg, diretora do Departamento de Proteção e Defesa Econômica da SDE.
Os paliativos ajudam a reduzir a entrada de casos que não oferecem riscos à concorrência e ao consumidor. São eles: a criação em 2003 do rito sumário (que dá 15 dias de prazo para que cada um dos órgãos emita o seu parecer sobre atos de concentração de baixa complexidade) e da análise conjunta de casos (SDE e Seae juntos para dar seus pareceres, reduzindo o tempo de análise).
Ao criar esses mecanismos, o sistema passou a funcionar melhor. A dúvida é até que ponto podem ter efeito se os pedidos de análise prévia se enfileirarem nos órgãos. Para facilitar a situação, o projeto de lei define prazos. Um ato de concentração simples precisa ser julgado em até 40 dias. Se o ato sofrer restrições dos órgãos, o período pode chegar a 140 dias.
Outra mudança ainda deixa dúvidas, dizem especialistas. Trata-se do critério para que um caso seja julgado ou não. Se uma empresa fatura no mundo acima de R$ 400 milhões e compra outra companhia, os órgãos precisam examinar a operação. O valor é considerado baixo e o próprio Cade já determinou neste ano mudanças. O montante passou a valer para o faturamento no Brasil.
A questão é que o projeto muda os valores. Se uma empresa que faturar mais de R$ 150 milhões comprar outra com faturamento acima de R$ 30 milhões, o caso vai à averiguação. O risco é que o filtro tenha efeito contrário e abarrote de processos a máquina.
"Entendo que alguns advogados e economistas encarem esse filtro como restrito ou amplo demais, dependendo de quem argumente. É por isso que a lei dá flexibilidade ao Cade para alterar o critério, de acordo com as condições da economia e com a experiência acumulada no novo órgão", diz o secretário de Direito Econômico, Daniel Goldberg.
Pelas contas do DPDE, espera-se que cerca de 40% dos julgamentos de atos de concentração deixem de ser apresentados com a nova lei e o novo critério de faturamento. Para Ricardo Salles, "se os órgãos não tiverem pessoal, mesmo caindo 40% vai ser complicado atender à demanda".
Foram protocolados 497 pedidos de análise de atos de concentração em 2004. O tempo médio de apuração pela SDE foi de 23 dias no ano. Foi a primeira vez que atingiu um período inferior ao limite legal. A lei atual dá prazo de 30 dias à Seae, mais 30 dias para a SDE e 60 dias ao Cade.
Casos complicados, que requerem volume elevado de provas, duram anos.
Está claro que o novo pacote da concorrência tem mais virtudes que equívocos. Por exemplo: pelo projeto, o mandato dos conselheiros do Cade deve passar de dois para quatro anos. Nos EUA são sete, no México, dez anos. Além disso, fica determinado que a Seae deixa de trabalhar ao lado da SDE e terá outras funções. "As tarefas se repetiam, era uma aberração. Tudo o que a Seae fazia, como o pedido de documentos, a SDE repetia", diz Marcelo Calliari, advogado e ex-conselheiro do Cade.
Há outras questões em aberto e que não estão no novo projeto, como o plano de carreira para os funcionários. "Isso é um ponto crucial, mas não foi contemplado na nova lei. Um "turn over" [rotatividade de empregados] de 80% é muito alto e precisa baixar", diz Gesner de Oliveira, ex-presidente do Cade.
Se aprovadas neste ano, as mudanças só devem ser implementadas até o final de 2006, estima o DPDE. Se não for votada em 2005, a possibilidade de a lei ser analisada no próximo ano (período de eleição presidencial) é pequena.


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