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AGENDA MICROECONÔMICA
Especialistas apontam avanços, mas se preocupam com tempo de análise e acúmulo de processos
Nova lei da concorrência sofre críticas
ADRIANA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
As mudanças na atual lei da
concorrência, que devem ser votadas pelo Congresso ainda neste
ano, resolvem várias quizilas antigas, mas abrem espaço para novos gargalos. Isso preocupa os advogados da área, as empresas e os
próprios órgãos de defesa da concorrência -que fizeram parte da
discussão das novas normas.
Desde 2003, Seae, SDE e Cade
estão envolvidos em discussão
para a alteração da lei 8.884, editada em 1994. Querem modernizar
o atual regulamento. Nessa tentativa, ainda há arestas a serem aparadas. Uma delas está na criação
de um sistema de exame prévio
das fusões no país.
Na nova lei, antes de as empresas anunciarem a compra de outra companhia, as entidades reguladoras precisam dar aval à operação. Atualmente, elas fecham
contratos, apresentam o fato publicamente e só então vão aos três
órgãos pedir o "sim" definitivo.
Em caso negativo, a fusão pode
até ser embargada e não sair.
Pelo novo modelo, a análise será
prévia. Se o negócio infringir regras básicas (levar à dominação
de uma empresa num mercado,
por exemplo), o acertado entre as
empresas sofrerá alterações. Com
base no definido pelo Cade, a operação poderá ser fechada.
No entanto toda essa questão
esbarra no tempo que os órgãos
podem levar para verificar o negócio, que estará parado até o
anúncio oficial do conselho.
Teme-se que, numa estrutura
com poucos funcionários e recursos para investimentos contingenciados pela União, a máquina
emperre. "Se não tiver capacidade
de analisar num período muito
razoável, vai virar uma bagunça",
diz Ricardo Salles, advogado de
direito da concorrência do escritório Felsberg e Associados.
"A análise prévia, feita devidamente, é benéfica. Já fazemos paliativos de forma a desinchar os
órgãos para que estejamos mais
ajustados na hora da entrada da
lei", diz Barbara Rosenberg, diretora do Departamento de Proteção e Defesa Econômica da SDE.
Os paliativos ajudam a reduzir a
entrada de casos que não oferecem riscos à concorrência e ao
consumidor. São eles: a criação
em 2003 do rito sumário (que dá
15 dias de prazo para que cada um
dos órgãos emita o seu parecer sobre atos de concentração de baixa
complexidade) e da análise conjunta de casos (SDE e Seae juntos
para dar seus pareceres, reduzindo o tempo de análise).
Ao criar esses mecanismos, o
sistema passou a funcionar melhor. A dúvida é até que ponto podem ter efeito se os pedidos de
análise prévia se enfileirarem nos
órgãos. Para facilitar a situação, o
projeto de lei define prazos. Um
ato de concentração simples precisa ser julgado em até 40 dias. Se
o ato sofrer restrições dos órgãos,
o período pode chegar a 140 dias.
Outra mudança ainda deixa dúvidas, dizem especialistas. Trata-se do critério para que um caso seja julgado ou não. Se uma empresa fatura no mundo acima de R$
400 milhões e compra outra companhia, os órgãos precisam examinar a operação. O valor é considerado baixo e o próprio Cade já
determinou neste ano mudanças.
O montante passou a valer para o
faturamento no Brasil.
A questão é que o projeto muda
os valores. Se uma empresa que
faturar mais de R$ 150 milhões
comprar outra com faturamento
acima de R$ 30 milhões, o caso vai
à averiguação. O risco é que o filtro tenha efeito contrário e abarrote de processos a máquina.
"Entendo que alguns advogados e economistas encarem esse
filtro como restrito ou amplo demais, dependendo de quem argumente. É por isso que a lei dá flexibilidade ao Cade para alterar o
critério, de acordo com as condições da economia e com a experiência acumulada no novo órgão", diz o secretário de Direito
Econômico, Daniel Goldberg.
Pelas contas do DPDE, espera-se que cerca de 40% dos julgamentos de atos de concentração
deixem de ser apresentados com a
nova lei e o novo critério de faturamento. Para Ricardo Salles, "se
os órgãos não tiverem pessoal,
mesmo caindo 40% vai ser complicado atender à demanda".
Foram protocolados 497 pedidos de análise de atos de concentração em 2004. O tempo médio
de apuração pela SDE foi de 23
dias no ano. Foi a primeira vez
que atingiu um período inferior
ao limite legal. A lei atual dá prazo
de 30 dias à Seae, mais 30 dias para a SDE e 60 dias ao Cade.
Casos complicados, que requerem volume elevado de provas,
duram anos.
Está claro que o novo pacote da
concorrência tem mais virtudes
que equívocos. Por exemplo: pelo
projeto, o mandato dos conselheiros do Cade deve passar de dois
para quatro anos. Nos EUA são
sete, no México, dez anos. Além
disso, fica determinado que a Seae
deixa de trabalhar ao lado da SDE
e terá outras funções. "As tarefas
se repetiam, era uma aberração.
Tudo o que a Seae fazia, como o
pedido de documentos, a SDE repetia", diz Marcelo Calliari, advogado e ex-conselheiro do Cade.
Há outras questões em aberto e
que não estão no novo projeto,
como o plano de carreira para os
funcionários. "Isso é um ponto
crucial, mas não foi contemplado
na nova lei. Um "turn over" [rotatividade de empregados] de 80% é
muito alto e precisa baixar", diz
Gesner de Oliveira, ex-presidente
do Cade.
Se aprovadas neste ano, as mudanças só devem ser implementadas até o final de 2006, estima o
DPDE. Se não for votada em 2005,
a possibilidade de a lei ser analisada no próximo ano (período de
eleição presidencial) é pequena.
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