São Paulo, domingo, 03 de abril de 2005

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NOVOS TEMPOS

Com despesas crescentes, instituições como Louvre e Georges Pompidou se abrem a eventos privados e acertam parcerias

França faz museu buscar receita própria

CLARISSE FABRE
DO ""MONDE"

O perfil dos grandes museus se modificou radicalmente nos últimos 20 anos. Os mais importantes entre eles se tornaram pólos multiculturais. Suas despesas também aumentaram. O Estado os incentiva a adotar uma gestão que se aproxima da gestão de empresas. Se não o fizerem, correrão o risco de um déficit cultural.
Estaria a empresa roubando pouco a pouco o espaço do museu? No último 5 de janeiro, o Museu de Orsay, em Paris, fechou as portas ao público às 17h30, em lugar das 18h, o horário de costume. A Electricité de France tinha alugado a antiga estação de Orsay para ali organizar sua cerimônia de saudação, e seu presidente, Pierre Gadonneix, queria pronunciar seu discurso às 19h.
"Foi absolutamente excepcional", explicou o presidente do museu, Serge Lemoine. "Anunciamos a mudança de horário e prevenimos os visitantes na entrada." Já Franck Guillaumet, secretário nacional de Cultura da CGT (Confederação Geral do Trabalho), lamentou: "O museu se adaptou aos horários da empresa, em detrimento de sua missão de servir ao público. Foi o inverso do que deveria ter acontecido".
No Museu do Louvre, o aluguel do espaço situado sob a pirâmide ao Eurosatory -o Salão Europeu de Comerciantes de Armas-, em 15 de junho de 2004 (ao que consta, por 148 mil), suscitou discussões acaloradas.
Os dois exemplos são reveladores no que diz respeito às tensões presentes nos museus no momento em que eles são obrigados, cada vez mais, a contar com seus próprios recursos (bilheteria, patrocínios, concessões, locações de espaços etc.). A tendência se observa especialmente no Louvre, em Versalhes -que reúne o castelo, o museu e o parque-, no Museu de Orsay e no Centro Georges Pompidou, onde a pesquisa foi feita.
Nos últimos 20 anos, mais ou menos, o perfil dos museus na França mudou radicalmente. Os maiores se tornaram verdadeiros pólos multiculturais -como o Centro Pompidou, do qual o MNAM (Museu Nacional de Arte Moderna) é apenas um dos componentes.
Mesmo que a parte das despesas que é custeada pelo Estado tenha aumentado, esses estabelecimentos maiores, renovados e dotados de um quadro de funcionários maior apresentam despesas cada vez maiores.
O crescimento dos gastos acontece também porque as obras de reforma nunca terminam e porque alguns deles projetam a abertura de "antenas" na França ou no exterior: em Lens (Pas-de-Calais) no caso do Louvre, em Metz (Moselle) no caso do Centro Pompidou, que, por sinal, é candidato à criação de um centro de arte moderna em Hong Kong.
Nesse contexto, os diretores dos grandes museus vêm sendo incentivados pelo Estado a aumentar seus recursos próprios. A progressão desses recursos é muito perceptível no caso do Louvre, onde eles passaram de 39,4 milhões em 2000 para 56,7 milhões em 2004 (dados provisórios). Desse total, a bilheteria ocupa o primeiro lugar em razão do aumento do número de visitantes (de 5,44 milhões em 1999 para 6,5 milhões em 2004) e do reajuste dos ingressos, o que, aliás, vem suscitando polêmica.

"Financiar outros projetos"
A tendência é a mesma em outros museus. No Centro Pompidou, a receita da bilheteria passou de 6,7 milhões em 2000 para 9,5 milhões em 2004 (um aumento de cerca de 41%). No ano passado, as mostras temporárias atraíram para o Beaubourg (Centro Pompidou) 1,31 milhão de visitantes, dos quais 475 mil para ver a mostra de Miró. "É desejável termos pelo menos uma exposição por ano capaz de atrair o grande público. Isso nos permitirá financiar outros projetos menos rentáveis", diz o presidente do centro, Bruno Racine.
Outras práticas mais discretas também levam dinheiro aos museus ou, pelo menos, lhes permitem fazer economias. A convenção de troca de produtos é uma delas: uma revista oferece a um museu uma página de publicidade gratuita, e o museu, em contrapartida, aluga seu espaço à revista (para um evento fechado de uma noite, por exemplo) por um preço preferencial. Esse tipo de parceria permitiu ao Centro Pompidou recolher 2,99 milhões em 2004.
Os restaurantes e as lojas presentes nos museus não são apenas prestadores de serviços: eles também alimentam a tesouraria das instituições. Esses estabelecimentos revertem aos museus um valor que varia segundo seu faturamento. O sistema não é novo, mas é lucrativo. Com isso o Louvre recebeu 3,43 milhões em 2004, Versalhes, 2,49 milhões, e Orsay, 504 mil.
O Centro Pompidou recebeu 2,54 milhões, graças especialmente a seu restaurante Georges, que tem a vantagem de permanecer aberto à noite, depois do horário de fechamento do museu e das exposições.
O patrocínio é algo mais aleatório, mas que vem ganhando força desde a aprovação da lei de 1º de agosto de 2003, votada sob a égide do ex-ministro da Cultura e da Comunicação Jean-Jacques Aillagon, que permite às empresas deduzir de seus impostos devidos 60% das doações efetuadas.
No caso do Louvre, as receitas obtidas com patrocínios passaram de 3,29 milhões em 2002 para 10,6 milhões em 2004. "Procuramos as empresas que podem encontrar em nosso projeto uma ressonância com sua imagem. O patrocínio também serve para financiar operações pontuais e necessariamente deficitárias, tais como a exposição Primatice, patrocinada pelo [do banco] Morgan Stanley", explica o presidente-diretor do Museu do Louvre, Henri Loyrette.
Sem criticar o patrocínio, que sempre existiu, alguns observadores temem suas possíveis conseqüências: "Por exemplo, quando a empresa começa a achar que o museu é dela e acaba tomando decisões no lugar dos conservadores ou ameaça retirar seu financiamento se esses não cederem a seus desejos", indica Didier Rykner, fundador do site "La Tribune de l'Art".

Contrato de desempenho
O Louvre assinou com o Estado, para os exercícios de 2003 a 2005, um contrato de objetivos e meios pelo qual o museu se compromete, entre outros objetivos, a "manter o alto nível de freqüência" e "otimizar seus recursos financeiros". Com relação a esse ponto, o estabelecimento público deve "seguir uma política de desenvolvimento de patrocínios, diversificar suas fontes de receita e desenvolver as já existentes. Com isso, a valorização do patrimônio e a rentabilidade das concessões do museu serão analisadas conjuntamente", diz o documento.
O contrato, até agora restrito ao Louvre, será generalizado: "A partir de 2006, esse tipo de contrato será adotado em todos os museus e estabelecimentos públicos e terá o nome de contrato de desempenho", declarou a diretora da entidade Museus da França, Francine Mariani-Ducray.


Tradução de Clara Allain

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