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TECNOLOGIA
Indústria do entretenimento quer responsabilizar fabricantes de software por troca de arquivos sem autorização
Justiça dos EUA define rumo da internet
DO "FINANCIAL TIMES"
A Suprema Corte dos Estados
Unidos está decidindo o destino
digital de dezenas de milhões de
pessoas em todo o mundo. Todos
os envolvidos no download de
música on-line ou na venda de
CDs, todos os comerciantes de
aparelhos digitais, aqueles que cobiçam um iPod, os defensores da
liberdade de expressão na internet e as pessoas que gostariam de
restringi-la: todos têm alguma
coisa em jogo no mais importante
processo da era da internet.
O caso opõe a MGM ao Grokster, ou Hollywood à pirataria on-line, e testa a legalidade das chamadas redes de troca livre de arquivos, as quais permitem que
seus usuários compartilhem com
os demais assinantes seus arquivos e músicas. Ambas as partes
concordam em que o caso vai
bem além da música. Nas palavras dos interessados, o futuro da
tecnologia, da internet e da economia norte-americana pode estar em jogo.
O caso atraiu um número recorde de petições apresentadas por
terceiras partes interessadas em
pressionar os juízes. Todo mundo, das gravadoras aos fabricantes de chips, passando pela liga de
beisebol profissional, deu seu palpite.
O caso testa a barganha fundamental do capitalismo norte-americano: a de que os criadores
deveriam desfrutar de proteção
legal suficiente para induzi-los a
continuar criando, mas o direito
da sociedade de desfrutar e explorar os frutos desses esforços não
deve ser cerceado. O setor de entretenimento diz que a pirataria
on-line ameaça essa barganha ao
privar os artistas e as empresas de
entretenimento das receitas de
que precisam.
Mas a outra parte -StreamCast
e Grokster (empresas que distribuem software de troca livre de
arquivos) e seus muitos simpatizantes no mundo da alta tecnologia- defende o argumento oposto: dizem que a inovação norte-americana será ameaçada caso a
Suprema Corte decida tornar ilegal a troca livre de arquivos. Se as
empresas de tecnologias forem
consideradas responsáveis a cada
vez que seus usuários fizerem algo
de ilegal com um produto, a inovação será sufocada.
Até agora, a indústria fonográfica arcou com o grosso da pirataria
na internet, porque os arquivos
musicais podem ser baixados rapidamente, enquanto um filme
pode demorar horas. As empresas de software também sofreram
com a troca ilegal de seus produtos via internet. Mas Hollywood
sabe que é apenas questão de tempo antes que um novo software e
conexões mais rápidas tornem a
pirataria on-line de filmes uma
opção mais atraente.
A Suprema Corte já tentou uma
vez decidir como regulamentar
tecnologias novas e ainda não inteiramente compreendidas. A
chance surgiu em 1984, quando a
corte foi solicitada a tornar ilegal a
venda de aparelhos de videocassete, sob a alegação de que eles
constituíam uma ferramenta de
pirataria. O juiz John Paul Stevens, que ainda integra a corte, escreveu a decisão, por maioria de
cinco a quatro, sob a qual a Sony
não deveria ser considerada responsável pelo uso indevido do
Sony Betamax, apesar das queixas
da indústria cinematográfica. Enquanto a tecnologia tivesse "uso
legítimo substancial" (como a
gravação de programas de televisão a serem assistidos mais tarde),
os tribunais não deveriam interferir, decidiu a corte. A decisão
abriu caminho ao desenvolvimento do setor de videolocadoras, um novo modelo de negócios
que aumentou enormemente a
receita da indústria cinematográfica, a despeito das objeções que
ela expressara.
Os juízes podem agora decidir
se querem manter a mesma abordagem distanciada com relação a
uma tecnologia cuja probabilidade de violação de direitos autorais
é consideravelmente maior. Ambas as partes concordam em que a
vasta maioria do total estimado
em dois bilhões de arquivos trocados a cada mês são piratas. A
questão é determinar se a StreamCast e o Grokster podem ser consideradas responsáveis por contribuir para, ou mesmo induzir a,
atos ilegais da parte das pessoas
que empregam seu software.
Grokster e StreamCast fornecem o software, mas não exercem
controle sobre o que os usuários
fazem com os produtos depois de
instalá-los. E o que os usuários fazem, na maioria do tempo, é realizar download de arquivos sem
pagar. Ninguém está sugerindo
que é uma atividade legal. A única
disputa é determinar se o Grokster e a StreamCast podem ser processados por isso ou apenas os
usuários individuais. Um tribunal
federal de apelações na Califórnia
determinou que não.
A decisão causou "apoplexia" à
indústria do entretenimento: por
que o Grokster e a StreamCast deveriam ser a autorizados a "fomentar uma cultura de desdém
pela propriedade intelectual e pelos direitos dos outros, em termos
gerais, no ciberespaço?", perguntam os estúdios e as gravadoras
em uma petição redigida por
Kenneth Starr, o antigo promotor
especial que comandou o processo de impeachment contra Bill
Clinton.
"Verdadeira questão"
Os aliados do Grokster adotam
posição mais sutil em suas petições: a maioria deles não defende
a pirataria. Retratam o caso como
se nada tivesse a ver com música,
de fato: a verdadeira questão é a
política de tecnologia. De acordo
com Gary Shapiro, presidente da
Consumer Electronics Association, que apresentou petição em
benefício do Grokster, se a indústria do entretenimento vencer o
processo, ela terá o que equivale a
um "poder de veto sobre novas
tecnologias".
O tribunal pode simplesmente
aplicar de maneira literal a decisão Betamax e decidir que, já que
o software de troca de arquivos
tem "uso legítimo substancial",
seus produtores não devem ser
considerados responsáveis por
abuso, mesmo na situação atual.
Ainda que o tribunal não vá
querer parecer partidário da difusão descontrolada da pirataria
musical, é improvável que deseje
que a Justiça assuma o papel de
reguladora da tecnologia norte-americana, dizem os especialistas.
Os juízes também estão cientes de
que uma decisão contra o Grokster teria pouco efeito prático sobre a troca de arquivos, porque os
serviços podem ser fornecidos de
fora dos Estados Unidos.
De qualquer forma, a questão
provavelmente será encaminhada
ao Congresso dos Estados Unidos, ao qual, alegam os aliados do
Grokster, cabe a responsabilidade
constitucional por criar as regras
de direitos autorais. No mandato
passado, o Congresso tentou, sem
sucesso, aprovar um projeto de lei
que teria revertido a decisão Betamax. Caso a Suprema Corte venha a reafirmá-la no caso Grokster, o setor de entretenimento
pressionará fortemente para que
o Congresso tente de novo. Muitos envolvidos, dos dois lados do
debate, dizem que o Legislativo
seria o lugar certo para decidir
uma questão de tamanha magnitude social; um lugar no qual a
questão dos direitos de propriedade no ciberespaço -um dos
maiores dilemas da era digital-
poderia ser debatida da maneira
devida, com o máximo de democracia.
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