São Paulo, quarta-feira, 03 de julho de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

A rede de proteção social

MIGUEL JORGE

Ao eleger como principal marca de seu governo a rede de proteção social tecida para reduzir nossa pobreza, o presidente Fernando Henrique Cardoso tocou no tema mais presente no debate dos candidatos à sua sucessão. O social é o território mais visado pelos discursos dos políticos em suas pregações -prometem-se remédios para idosos a R$ 1, grupos para combater desigualdades, mais investimentos na área social, novos programas para reduzir a pobreza e muito mais. Para confundir mais, alguns adversários do governo aplaudem os programas sociais nos quais nunca acreditaram -afirmavam, como lembrou o presidente, que ele se preocupava mais com o mercado que com o povo. Será verdade?
Até os críticos da política econômica vêem consistência nesses programas e curvam-se aos dados do Censo 2000 do IBGE, que mostraram um Brasil melhor do que o presidente recebeu, mesmo com as distorções regionais. Entende-se: se, no Brasil rico, morre-se muito de câncer e de doenças cardíacas, por exemplo, fenômeno que atinge com mais rigor EUA, Japão, Canadá etc., neste ano a mortalidade infantil ficará abaixo da meta da Organização Mundial da Saúde. Pela primeira vez na história, o número fica abaixo de 30 crianças menores de um ano mortas por mil nascidas vivas (29,6), superando todas as estimativas das Pesquisas Nacionais por Amostragem de Domicílio (de 33 a 34 no fim da década de 90).
As estatísticas também registram evolução na educação: apesar da má qualidade do ensino e da baixa escolaridade (no Nordeste, 17,9% das pessoas têm menos de um ano de estudo), mais crianças vão às escolas e por muito mais tempo -na pré-escola, a taxa de escolarização subiu de 37,2% para 71,9%. Mas nem tanto ao mar nem tanto à terra no social: ao falar para famílias pobres de oito cidades fluminenses que receberam os primeiros cartões do cidadão, o presidente admitiu que há muito a fazer e reagiu ao que talvez considere, com certa razão, falta de imaginação, demagogia ou oportunismo de seus adversários.
Esses cartões permitirão que 9,3 milhões de famílias com renda de até meio salário mínimo (46 milhões de pessoas) recebam na Caixa Econômica Federal recursos dos cinco principais programas sociais do governo -Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Fim do Trabalho Infantil, Agente Jovem e Auxílio-Gás. Isso é um novo esforço para uma distribuição mais justa da renda, pois mais da metade das pessoas empregadas em 2000 ganhava muito menos de dois mínimos.
O Programa Saúde da Família já atende 50 milhões de brasileiros socialmente excluídos, quase um terço da população, beneficiada também pelo ingresso a cada mês de 600 novos agentes comunitários de saúde -médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem etc.-, que já chegam a quase 200 mil. Ao festejar a marca, o presidente quis mostrar que o social não é bandeira de partidos, mas da sociedade, e que governo, empresas e ONGs nunca postergaram as demandas sociais, ainda que muitos denunciem -também com razão- o desperdício de recursos. No ano passado, cerca de R$ 4,7 bilhões, ou quase 0,5% do PIB, foram destinados pelas empresas brasileiras a projetos sociais, conforme recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o que significa que 59% delas investem no social.
Entre as que possuem mais de 500 empregados, 88% têm ações para comunidades carentes -dessa ofensiva contra a pobreza participam até microempresas (54%). Mas reduzir a pobreza não é tarefa para duas ou três gerações, como disse o presidente. É preciso tornar cada vez mais ágeis os mecanismos para combatê-la, fechando-se os buracos por onde escoam os recursos -cada brasileiro recebe menos de dez centavos de cada dólar que o governo investe no setor-, impedindo que eles desapareçam nas malhas da burocracia estatal.
Mas também não se pode menosprezar a estabilidade econômica. O ajuste econômico e a disciplina fiscal são medidas desagradáveis e, embora o brasileiro comum ainda não entenda bem isso, continuarão servindo para tornar ainda mais abrangente a rede de proteção social. É impossível ignorar seus benefícios no combate à pobreza -de 1996 para cá, as pessoas com insuficiência alimentar no país caíram de 34 milhões para 22 milhões, segundo dados apresentados à Cúpula Mundial da Alimentação, na sede da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, em Roma.
É preciso, finalmente, destacar que as desigualdades sociais não são uma peculiaridade brasileira, pois a própria ONU considera que, apesar da produção abundante de alimentos, uma em cada sete pessoas no planeta não tem nada para comer. Os candidatos à Presidência da República, tão sensíveis à questão social, ajudariam muito no combate à pobreza no Brasil se afinassem os seus discursos e apresentassem à sociedade brasileira programas sociais mais abrangentes, eficazes e realistas em termos econômicos.


Miguel Jorge, jornalista, é vice-presidente de Assuntos Corporativos do Grupo Santander Banespa.

Hoje, excepcionalmente, a coluna de Antonio Barros de Castro não é publicada.


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