São Paulo, sábado, 03 de agosto de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

A ração diária do comércio exterior

GESNER OLIVEIRA

Não bastasse a perda da Libertadores da América pelo São Caetano na quarta-feira, esta semana foi particularmente difícil, com o aumento do risco-país e os sucessivos recordes de subida do dólar, contida a partir de quinta-feira.
Entre as várias consequências dessa situação, é preocupante a escassez de linhas de comércio exterior. A falta destas últimas afeta diretamente a economia real. As linhas comerciais constituem a ração básica do comércio exterior.
Trata-se do recurso mais barato de financiamento externo pela sua vinculação a receitas futuras em moeda forte, derivadas do comércio de bens e serviços. O saldo das operações de financiamento à exportação e importação apurado pelo Banco Central em dezembro de 2001 era de US$ 13,6 bilhões, dos quais apenas cerca de 22% (ou US$ 3 bilhões) tinham prazo superior a um ano.
O empresário que procura um banco com o objetivo de financiar suas exportações tem várias alternativas como o Adiantamento sobre Contrato de Câmbio (ACC), o Adiantamento sobre Cambiais Entregues (ACE), o pagamento antecipado ou pré-pagamento, conforme o jargão do mercado.
Segundo o site do Banco Central, do total de exportações contratadas em 2001, de US$ 59 bilhões, cerca de 22% foram feitos por meio de pré-pagamento e 41% por meio de ACC/ACE, o que evidencia a importância desses instrumentos.
Para entender o que significam essas siglas, o ACC corresponde a uma antecipação dos recursos a serem obtidos com a venda futura da moeda estrangeira, antes do embarque da mercadoria. Já o ACE tem características similares, mas pode ser feito após o embarque da mercadoria.
Ambos são repasses de recursos que um banco operador de câmbio no país obtém de outro banco no exterior, sendo que este último é chamado de banco correspondente. A atual escassez de linhas externas decorre da retração da oferta por esses bancos correspondentes.
O pré-pagamento é um financiamento concedido ao exportador no exterior, antes do embarque das mercadorias. Nessa modalidade, o exportador capta os recursos diretamente de um banco ou importador localizado fora do país. Como no ACC e no ACE, os bancos e importadores estrangeiros reduziram sua oferta nas últimas semanas.
O empresário pode também optar por emitir títulos que dão suas exportações em garantia, chamadas de "export notes". Alguns bancos têm-se sobressaído na elaboração de estruturas criativas para a captação de recursos mediante operações estruturadas. Entretanto essas modalidades exigem contratos de exportação previamente formalizados, e como envolvem processos e negociações mais complexas, em geral só estão disponíveis para empresas de maior porte em operações específicas.
Os bancos também repassam recursos de financiamentos oficiais. A propósito, segundo pesquisa recente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), só uma em cada cinco empresas exportadoras utiliza as linhas de crédito oferecidas pelo governo, como o Proex e o Programa BNDES/Exim.
Em momentos de crise, as linhas de comércio exterior são as últimas a desaparecer. Como são muito relevantes para a continuidade das operações da economia real, a manutenção dessas linhas é crucial.
A crise de 1999 tem muitas e boas lições a oferecer sobre o papel do governo na manutenção das linhas de comércio exterior. A atuação do Ministério da Fazenda e do Banco Central naquele momento foi eficaz no sentido de transmitir credibilidade aos credores internacionais e coordenar expectativas, evitando os irracionais movimentos de manada.
O resultado da estratégia é conhecido de todos. Os credores que mantiveram sua exposição foram beneficiados por uma recuperação rápida e não tiveram perdas. O país honrou seus compromissos, teve crescimento positivo em 1999 e no ano seguinte cresceu 4,5%. Há razões objetivas para ser otimista, pois os fundamentos da economia estão melhores hoje do que em 1999.
Naquele ano, os catastrofistas recomendavam controles cambiais e outras extravagâncias. Os fatos silenciaram aqueles que tentaram atirar lenha na fogueira e torcer pelo caos. A força da economia brasileira vai calar novamente o catastrofismo, para o que será necessário muito trabalho e vacina contra o voluntarismo inconsequente.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-Eaesp, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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