UOL


São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CONTRA/POLÍTICA INDUSTRIAL

Precisamos mesmo eleger setores?

TOMÁS MÁLAGA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A política monetária funcionou em todos os países em que foi aplicada coerentemente. No Brasil, para acabar com a inflação, as taxas de juros reais tiveram de ser elevadas em mais de quatro pontos percentuais acima da média do período de câmbio flutuante (10% ao ano). Felizmente, estamos chegando à fase final desse difícil período. As taxas de juros reais até o final do ano estarão próximas de 10% e a repressão financeira será menor, a redução dos compulsórios certamente será bem-vinda, reduzindo o "spread" bancário. Será que isso é suficiente para o Brasil crescer?
Alguns economistas são propensos a pedir a ação do Estado, seja por meio de financiamento, de incentivos fiscais ou de investimento público direto para fomentar o crescimento. A primeira política industrial que o Brasil precisa é melhorar os serviços públicos. Uma administração da Justiça e da segurança mais eficiente melhoraria muito o ambiente para o investimento privado. Respeitar contratos é básico para ter uma economia sólida.
A segunda política é tentar dar igualdade de oportunidade a todos, com uma boa política de educação e saúde. Finalmente, pesquisa e tecnologia são áreas onde a atividade privada tende a ser predatória -quem inova dificilmente tende a usufruir de todos os ganhos decorrentes de sua criatividade, pois rapidamente é imitado. A menos que os acordos de patentes e direitos de propriedade sejam respeitados, o resultado é pouco investimento.
Sei que muitos devem considerar isso muito pouco, muito ingênuo e sempre se encontrarão exemplos nada claros de que tal subsídio ou parceria entre o Estado e a empresa privada levou ao desenvolvimento miraculoso da Coréia, da China ou de algum outro tigre. No entanto, pesquisas mais sérias levantam muitas dúvidas sobre o sucesso dessas experiências mistas Estado/ mercado.
Fala-se muito do protecionismo europeu ou americano sem perceber que esses são luxos que eles têm como pagar. Nós não temos.
Não faz muito tempo, ouvi uma palestra de um economista propondo escolher os setores nos quais temos déficit comercial e estruturar uma política industrial dedicada a eles. Não consigo pensar em uma maneira pior. Alguém me disse na ocasião, "desta maneira vão querer esfriar as nossas cálidas praias para podermos exportar salmão". O comentário irônico apontava que dessa maneira estaríamos indo contra uma força natural do mercado que são as vantagens comparativas.
Pense em empréstimos subsidiados. Isto é, em geral, feitos com taxas sobre a atividade econômica da qual vivem milhões de brasileiros, o que equivale a encarecer a produção em troca de um retorno incerto. Por que prejudicar atividades que nasceram do julgamento de milhares de empresários e trabalhadores para dar condições especiais a um setor que julgamos "chic" ou "moderno"?
Temos que discutir a sério o que fazer com os escassos recursos públicos. Da sua utilização eficiente dependerá nossa direção: ou nos convertemos em uma economia próspera ou continuamos com a performance medíocre dos últimos 25 anos.


Tomás Málaga é economista-chefe do Banco Itaú.


Texto Anterior: A favor / política industrial: Brasil não se voltou para a exportação
Próximo Texto: Pós-apagão: Energia "cara" faz indústria investir em geração própria
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.