São Paulo, terça-feira, 03 de agosto de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

O enrosco dos investimentos

BENJAMIN STEINBRUCH

Peço licença ao professor Yoshiaki Nakano, da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, para citar um artigo brilhante escrito por ele no "Valor", no início de julho. O texto mostrou que, nos países em desenvolvimento, diferentemente do que se imagina, são o crescimento econômico e a conseqüente acumulação de lucros do setor privado que estimulam os investimentos, e não o contrário.
Os dados citados por Nakano indicam que, nos países ricos, só metade da poupança privada tem origem nos lucros retidos pelas empresas. Nos emergentes, porém, essa parcela é muito maior. No Brasil, 76,1% dos investimentos produtivos de empresas são financiados com recursos provenientes de resultados retidos. Os créditos bancários respondem por 10,1%, as emissões de ações e de outros papéis domésticos, por 8,1%, e o financiamento externo, por 5,7%.
Os números do artigo do professor Nakano levam a algumas conclusões importantes. Se quisermos estimular de verdade os investimentos produtivos, precisamos cuidar de duas mudanças na economia brasileira:
1) devemos reduzir a tributação e criar mecanismos de estímulo às empresas que destinam lucros para investimentos; e/ou 2) aumentar a oferta de empréstimos e outras fontes domésticas e externas para que a participação desse fator no financiamento de investimentos se aproxime dos 50% verificados nos países ricos.
O ideal seria que essas duas coisas se dessem simultaneamente. O problema é que aparentemente nem uma nem outra está ocorrendo. Pelo menos no setor industrial, as margens de lucro têm sido reduzidas progressivamente nos últimos anos. Estima-se que tenham caído cerca de 8% de 1999 a 2003, embora o nível de 2003 tenha sido melhor do que o do ano anterior. As empresas, atingidas pela desvalorização cambial, não conseguiram corrigir seus preços na mesma proporção do aumento dos custos.
Dados do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) indicam ter havido redução das margens também neste ano. Balanços de 105 empresas industriais do primeiro trimestre revelam que a margem média reduziu-se para 18,51% da receita líquida, em comparação com 22,13% no mesmo período de 2003.
Os créditos bancários para investimento também não cresceram. Eles vêm basicamente do BNDES, que no ano passado fez liberações totais de R$ 33 bilhões (excluídos recursos extraordinários). Neste ano, o banco espera alcançar seu objetivo de liberar R$ 47 bilhões. Apesar disso, no primeiro semestre a média mensal de desembolsos foi de apenas R$ 2,7 bilhões -que projetam um valor total de R$ 32,4 bilhões para o ano.
As emissões de ações e outros papéis no mercado doméstico para amparar investimentos continuam contidas. No primeiro semestre, a oferta pública total desses títulos atingiu apenas R$ 5,8 bilhões. Nesse ritmo, não haverá nenhum progresso em relação aos R$ 11,1 bilhões de 2003, quando as emissões já haviam caído 62% em relação a 2002.
O mesmo se pode dizer dos investimentos diretos de capital estrangeiro. No primeiro semestre, entraram no país pífios US$ 4 bilhões (líquidos), nível apenas ligeiramente inferior ao de igual período do ano passado. Ainda que o fluxo tenha aumentado em julho, o Banco Central reduziu sua previsão para o ano de US$ 13 bilhões para US$ 12 bilhões.
Nessas condições -sem a perspectiva de retenção de maiores lucros no setor industrial e sem oferta significativa de financiamento bancário ou do mercado de capitais-, dificilmente poderá haver investimentos produtivos suficientes para sustentar uma nova fase de crescimento econômico duradouro. Como sair dessa? Os textos e as aulas do professor Nakano mostram alguns caminhos. Começam pela redução da tributação sobre lucros retidos para investimento e pela desvalorização cambial.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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