São Paulo, sexta-feira, 03 de setembro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Mudanças na política monetária

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Está tudo preparado para uma nova rodada de aumento de juros pelo Banco Central. As recentes declarações do ministro José Dirceu, sobre a independência operacional de nossa autoridade monetária, representaram o aval político para uma elevação da taxa Selic ainda antes das eleições. O mercado financeiro começa agora a especular sobre a intensidade e a freqüência dos aumentos a serem definidos nos próximos meses. Teremos aumentos maiores e menos freqüentes ou o caminho a ser trilhado acompanhará os pequenos passos, que é a política preferida do Fed americano?
Antes de focarmos sobre essa dúvida que atinge o mercado, gostaria de discutir com meu leitor da Folha uma questão que precede a essa: por que o BC tem de aumentar os juros neste momento em que a economia consolida uma recuperação cíclica? Somente uma resposta consistente nos permitirá participar desse debate de forma construtiva e ajudar a opinião pública a acompanhar a ação de nossa autoridade monetária.
As projeções mais consistentes apontam hoje para um aumento da inflação, medida pelo IPCA, calculado pelo IBGE, da ordem de 7,5% neste ano e de algo próximo a 6% para 2005. À primeira vista, um resultado muito bom, na medida em que aponta para uma queda importante em um período no qual o crescimento econômico consolidou-se. Em tese, não haveria necessidade de elevação dos juros Selic quando os mercados futuros apontam para uma taxa de juros reais da ordem de 12% para os contratos que cobrem o ano civil de 2005.
O leitor da Folha pode então perguntar: por que essa unanimidade sobre a necessidade de um aumento da taxa Selic? Por duas razões: de um lado, porque o Banco Central comprometeu-se com uma meta inflacionária de 4,5% para o ano de 2005 e precisa, para defender sua credibilidade no mercado, sinalizar que agirá no sentido de cumprir seu compromisso. Não importa saber, e até as pedras sabem disso, que uma inflação medida pelo IPCA de 4,5% no próximo ano é impossível de ser obtida!
O governo teve há poucos meses a oportunidade de adaptar essa meta, fixada no início do ano passado, à realidade da inflação de 2004. Preferiu manter o compromisso anterior, criando um problema para 2005, a passar uma pequena vergonha de aumentar a meta para 5,5% e ter mais folga para trabalhar no próximo ano. Um erro de avaliação incrível, pois o mercado entenderia esse movimento e não haveria perda de credibilidade por parte do Banco Central. Na maioria das vezes, o realismo responsável é muito mais eficiente do que um certo autismo prepotente.
Mas isso é coisa do passado e hoje ele não tem outra alternativa senão seguir em frente com esse compromisso. Pelo menos até fins do primeiro semestre de 2005, quando, imagino, ficará claro para todos que a meta de 4,5% não passou de um sonho de uma noite de verão e o Banco Central vai sinalizar a busca de algum número dentro da banda superior.
Mas a elevação da taxa Selic hoje tem uma segunda motivação. Temos sinais claros de que começamos a viver uma incipiente inflação de demanda. Localizada ainda nos setores que foram mais beneficiados pelo incrível crescimento do comércio exterior, a partir da metade do ano passado, um processo inflacionário, de maior intensidade, poderá se desenvolver ao longo dos próximos meses. Com a melhora objetiva do cenário econômico, sabemos que o brasileiro vai sair de sua posição defensiva em relação ao consumo e tentar recuperar, neste fim de ano, o tempo perdido em 2002 e 2003. Nesse momento, o aumento de nossas exportações vai fazer diferença e criar em certos setores uma escassez de oferta.
Por outro lado, o investimento em ampliação da capacidade produtiva dos setores que estão hoje funcionando a plena carga deve acelerar, também, a demanda interna. A construção de uma nova fábrica, até a sua entrada em operação, funciona como fonte de pressão sobre o consumo de insumos, serviços e mão-de-obra. Somente após seu pleno funcionamento é que ocorre um aumento da oferta de seus produtos no mercado.
Somados esses três fatores, exportações em níveis elevados, demanda interna se acelerando e aumento do investimento, podemos chegar a uma situação de inflação de demanda e a necessidade de reação por parte do BC.
Não vejo motivo para uma ação mais agressiva do Copom, nas próximas reuniões, e o caminho do Fed pode ser a saída mais eficiente e menos dolorosa para o dilema do governo.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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