São Paulo, segunda-feira, 03 de setembro de 2007

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MARCOS CINTRA

A esquecida classe média


A intuição de sindicalista de Lula lhe indicou que haveria que compensar o destituído se quisesse favorecer o opulento

O GOVERNO Lula vem praticando uma política econômica totalmente "market friendly". Os negócios prosperam, os investimentos aumentam, e os lucros atingem volumes recordes.
Isso é bom, pois o emprego e a renda nacional aumentam. Por outro lado, o presidente afirma orgulhosamente que "o legado do nosso governo é a consolidação das políticas sociais". Novamente, isso é bom, ainda que custe muito dinheiro.
A intuição de sindicalista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva lhe indicou que haveria que compensar os destituídos se quisesse favorecer os opulentos. Pratica-se, portanto, uma política positiva nos dois extremos da pirâmide econômica, no topo e na base. Essa política vem funcionando. Mas a que custo?
O resultado do Tesouro Nacional referente ao período de janeiro a julho de 2007 revela alguns dados importantes. O saldo primário do governo central se expandiu, dando a impressão de maior capacidade de solvência do país, o que é muito bom. Relativamente ao PIB (Produto Interno Bruto), o superávit primário aumentou de 3,19% para 3,35%, crescendo nominalmente de R$ 41,5 bilhões para R$ 47,7 bilhões.
Surpreendentemente, no entanto, no mesmo período, a dívida líquida total do Tesouro Nacional cresceu, ao invés de encolher, de 23,2% para 26% do PIB, o que é muito ruim. O aumento fica mais dramático quando se considera que, na composição da dívida líquida total, a dívida externa caiu de R$ 140,6 bilhões para R$ 115,5 bilhões, o que evidencia a explosiva elevação da dívida interna líquida, de R$ 379 bilhões em julho de 2006 para R$ 520 bilhões no mesmo mês de 2007, um crescimento de mais de 37% no período.
Vale lembrar que a elevação do superávit primário ocorreu durante um período de forte crescimento dos gastos do governo central. No período janeiro-julho entre 2006 e 2007, as despesas saltaram de 16,25% para 16,75% do PIB, um expressivo aumento de meio ponto percentual. Nominalmente, as despesas aumentaram 12,87%.
O aumento do superávit primário, portanto, é o resultado de um enorme sacrifício para a sociedade brasileira, pois as receitas do governo central aumentaram ainda mais que as despesas, passando de R$ 240 bilhões entre janeiro-julho de 2006 para R$ 271,7 bilhões no mesmo período de 2007. O aumento na receita foi de 13,2%, contra 12,9% das despesas, levando à absorção, apenas pelo governo central, de 23,5% do PIB em 2006 e de 24,3% do PIB em 2007. Ou seja, no período em questão, o poder público federal absorveu 0,8 ponto percentual a mais da riqueza nacional.
Vêem-se, portanto, dois fatos preocupantes: em primeiro lugar, que o superávit primário aumentou por conta de novas elevações das receitas, e não da parcimônia nas despesas, como seria desejável. Em segundo lugar, que, mesmo com o aumento do saldo primário do governo central, a dívida líquida não caiu, pelo contrário, aumentou.
O governo continua gastando muito, sempre mais e, dizem alguns, cada vez pior. Esses dados preocupam e merecem uma reflexão.
O custo dessa política pró-mercado com políticas sociais é o achatamento da classe média, pagadora de impostos e que tem sido forçada a suportar uma crescente e asfixiante carga tributária.
A corda sempre estoura em algum ponto. Resta saber até quando a classe média suportará tanto arrocho.


MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
mcintra@marcoscintra.org


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