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MARCOS CINTRA
A esquecida classe média
A intuição de sindicalista de Lula lhe indicou que haveria que compensar o destituído se
quisesse favorecer o opulento
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O GOVERNO Lula vem praticando uma política econômica
totalmente "market
friendly". Os negócios prosperam,
os investimentos aumentam, e os
lucros atingem volumes recordes.
Isso é bom, pois o emprego e a renda
nacional aumentam. Por outro lado,
o presidente afirma orgulhosamente que "o legado do nosso governo é a
consolidação das políticas sociais".
Novamente, isso é bom, ainda que
custe muito dinheiro.
A intuição de sindicalista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva lhe
indicou que haveria que compensar
os destituídos se quisesse favorecer
os opulentos. Pratica-se, portanto,
uma política positiva nos dois extremos da pirâmide econômica, no topo e na base.
Essa política vem funcionando.
Mas a que custo?
O resultado do Tesouro Nacional
referente ao período de janeiro a julho de 2007 revela alguns dados importantes. O saldo primário do governo central se expandiu, dando a
impressão de maior capacidade de
solvência do país, o que é muito
bom. Relativamente ao PIB (Produto Interno Bruto), o superávit primário aumentou de 3,19% para
3,35%, crescendo nominalmente de
R$ 41,5 bilhões para R$ 47,7 bilhões.
Surpreendentemente, no entanto, no mesmo período, a dívida líquida total do Tesouro Nacional cresceu, ao invés de encolher, de 23,2%
para 26% do PIB, o que é muito
ruim. O aumento fica mais dramático quando se considera que, na composição da dívida líquida total, a dívida externa caiu de R$ 140,6 bilhões para R$ 115,5 bilhões, o que
evidencia a explosiva elevação da dívida interna líquida, de R$ 379 bilhões em julho de 2006 para R$ 520
bilhões no mesmo mês de 2007, um
crescimento de mais de 37% no período.
Vale lembrar que a elevação do superávit primário ocorreu durante
um período de forte crescimento
dos gastos do governo central. No
período janeiro-julho entre 2006 e
2007, as despesas saltaram de
16,25% para 16,75% do PIB, um expressivo aumento de meio ponto
percentual. Nominalmente, as despesas aumentaram 12,87%.
O aumento do superávit primário,
portanto, é o resultado de um enorme sacrifício para a sociedade brasileira, pois as receitas do governo
central aumentaram ainda mais que
as despesas, passando de R$ 240 bilhões entre janeiro-julho de 2006
para R$ 271,7 bilhões no mesmo período de 2007. O aumento na receita
foi de 13,2%, contra 12,9% das despesas, levando à absorção, apenas
pelo governo central, de 23,5% do
PIB em 2006 e de 24,3% do PIB em
2007. Ou seja, no período em questão, o poder público federal absorveu 0,8 ponto percentual a mais da
riqueza nacional.
Vêem-se, portanto, dois fatos
preocupantes: em primeiro lugar,
que o superávit primário aumentou
por conta de novas elevações das receitas, e não da parcimônia nas despesas, como seria desejável. Em segundo lugar, que, mesmo com o aumento do saldo primário do governo
central, a dívida líquida não caiu, pelo contrário, aumentou.
O governo continua gastando
muito, sempre mais e, dizem alguns,
cada vez pior. Esses dados preocupam e merecem uma reflexão.
O custo dessa política pró-mercado com políticas sociais é o achatamento da classe média, pagadora de
impostos e que tem sido forçada a
suportar uma crescente e asfixiante
carga tributária.
A corda sempre estoura em algum
ponto. Resta saber até quando a
classe média suportará tanto arrocho.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60,
doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular
e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a
cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
mcintra@marcoscintra.org
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