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São Paulo, sexta-feira, 03 de outubro de 2003

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COMÉRCIO MUNDIAL

Americanos dizem formalmente não querer discutir antidumping e apoio interno a agricultores

EUA tiram da Alca as prioridades do Brasil

Victor Ruiz Caballero/Associated Press
O representante dos EUA, Robert Zoellick, fala em Port of Spain


CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Os Estados Unidos anunciaram ontem, pela primeira vez de maneira formal, que não aceitam discutir na Alca (Área de Livre Comércio das Américas) dois temas que são justamente as prioridades negociadoras do Brasil: antidumping e apoio interno aos produtores agrícolas.
O anúncio formal inviabiliza, na prática, a "Alca abrangente" (ou "teológica", como preferiu batizá-la o embaixador brasileiro Luiz Felipe de Macedo Soares), que os norte-americanos vinham defendendo desde que começaram as negociações há nove anos.
Reforça, em contrapartida, a idéia que o governo brasileiro vem defendendo nos dois últimos meses, batizada de "três trilhos" pelo chanceler Celso Amorim (ver texto à esquerda).
Afinal, se os Estados Unidos podem retirar da pauta da Alca os temas que consideram "sensíveis", o Brasil ou qualquer outro dos 34 países que participam das negociações tem esse direito.
Já se imaginava, nos ambientes diplomáticos, que os EUA preferiam discutir a liberalização agrícola no âmbito global, ou seja, na OMC (Organização Mundial do Comércio).
Uma e outra vez, Robert Zoellick, o chefe do USTr, uma espécie de ministro do Comércio Exterior dos Estados Unidos, disse que seu país "não se desarmaria unilateralmente".
Trata-se de metáfora para afirmar que os EUA só reduziriam seu formidável arsenal de protecionismo agrícola se a União Européia fizesse o mesmo, o que só pode ocorrer no âmbito da OMC.
Já antidumping é mais complicado. Trata-se de medidas de defesa contra a importação de produtos vendidos a preço de custo ou abaixo dele (o dumping).
Os Estados Unidos hesitam em abrir mão de sua própria legislação de defesa comercial mesmo no âmbito da OMC.
O anúncio formal de que os dois itens estão fora da pauta da Alca, pelo menos do ponto de vista norte-americano, foi feito na reunião do CNC (Comitê de Negociação Comercial), principal órgão técnico da Alca, que se encerra hoje em Port of Spain, capital de Trinidad e Tobago.
Foi nessa mesma reunião que o Brasil rejeitou o que chama de "Alca teológica", ou seja, uma área de livre comércio que vá muito além dos temas tradicionais no comércio e englobe questões como propriedade intelectual, serviços, investimentos etc.

Três trilhos
O Brasil arrancou, com alguma dificuldade, o apoio de seus três parceiros do Mercosul (Argentina, Paraguai e Uruguai, o mais reticente dos três) para a sua proposta dos "três trilhos", formalizada anteontem.
Ontem, entrou-se na fase de cabalar apoios para cada uma das diferentes propostas sobre a mesa. Além da do Mercosul, há propostas dos três países que compõem o Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), ou seja, EUA, Canadá e México.
Os três falam em uma Alca "abrangente", mas o conceito de abrangência está em aberto, na medida em que Washington não quer discutir antidumping e medidas de apoio interno a seus agricultores.
De todo modo, a manifestação oficial do USTr é no sentido de manter a ambição.
"Os Estados Unidos estão comprometidos com uma Alca ambiciosa e dentro do cronograma. O mundo perdeu uma oportunidade em Cancún e nós esperamos que o Hemisfério não perca outra, em Miami", diz Richard Mills, porta-voz do USTr.
Em tese, o encontro técnico em Port of Spain destina-se a preparar pelo menos o esboço da Declaração Ministerial de Miami. É nessa cidade da Flórida que se reúnem, em novembro, os ministros da Alca, a máxima instância decisória.
Mas é altamente improvável que haja algum avanço em Port of Spain, porque há diferentes propostas e o texto preliminar contém 7.000 colchetes (maneira diplomática de assinalar que não há acordo sobre aquele item).



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