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São Paulo, sexta-feira, 03 de outubro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

O mundo global em crise

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Enquanto vivemos no Brasil um período de otimismo com a economia para 2004, o mundo que nos cerca passa por um momento de muita insegurança. Os problemas gerados pelos desequilíbrios estruturais da economia americana estão chegando às mesas de operações dos mercados financeiros. Até pouco tempo atrás, essas reflexões estavam restritas às universidades e a outros centros de pensamento econômico; hoje fazem parte das análises de mercado produzidas por instituições financeiras em todo o mundo. Passamos assim da fase do cérebro para a do bolso.
Além das evidências de que a situação de hoje -um déficit em conta corrente nos EUA da ordem de 6% do PIB- não pode continuar por mais tempo, o quadro eleitoral para 2004 acendeu uma luz vermelha no mercado. As dificuldades crescentes do presidente Bush e a certeza de que ele não vai ficar parado vendo seu apoio popular erodir estão criando o sentimento de que ele pode tentar uma jogada perigosa para inverter essa situação. O alvo mais provável do presidente americano é o valor do dólar nos mercados de câmbio.
A economia americana tem apresentado sinais evidentes de uma melhora, sob a influência de juros baixíssimos e de um gigantesco déficit fiscal. Mas o aumento da produção, principalmente no setor industrial, tem sido acompanhado por um ganho muito forte na produtividade das empresas americanas. Com isso, o nível de emprego e o valor dos salários não melhoram. Além da questão da produtividade, a transferência da produção para países emergentes, como a China, tem destruído empregos americanos. A China transformou-se hoje, com o terrorismo, no grande satã para uma parte da sociedade americana.
No raciocínio simplista do presidente Bush e de seus assessores toscos e presos a um fundamentalismo ideológico caipira, será preciso desvalorizar o dólar em mais 20% para que esse quadro seja invertido. Com isso, as desvantagens competitivas das empresas americanas seriam corrigidas, o déficit comercial de hoje seria reduzido de maneira expressiva e a situação política do presidente se inverteria.
Mas essa estratégia encontra alguns obstáculos intransponíveis. O primeiro é que países como a China, que têm nas exportações para os EUA o grande motor de seu crescimento, estão defendendo o valor de sua moeda comprando os dólares gerados pelos exportadores a uma taxa fixa. Com isso, o dólar não se desvaloriza e as compras americanas de produtos chineses não se reduzem. Esse mesmo comportamento tem sido seguido por países como Japão, Coréia do Sul e agora o Brasil.
A única moeda que tem se valorizado em relação ao dólar, sob o olhar complacente do ultraliberal Banco Central Europeu, é o euro. Com isso, a incipiente recuperação econômica do Velho Continente está ameaçada. Essa é a face desconhecida dos caipiras que ocupam a Casa Branca atualmente: uma valorização das moedas das principais economias do mundo reduz o crescimento global e recoloca na agenda a possibilidade de um período de deflação que atingiria, também, a economia americana e, por consequência, a reeleição do sr. Bush.
Na última reunião dos países mais ricos do mundo no Qatar, sob pressão do governo americano, os ministros da Economia do chamado G7 assinaram um documento em que se comprometeram com taxas flexíveis de câmbio. Apesar da linguagem pouco afirmativa sobre esse compromisso, essa decisão provocou uma verdadeira comoção nos mercados financeiros. Taxas de juros e câmbio e os preços das ações negociadas nas principais Bolsas de Valores entraram em um movimento quase histérico de ajustes, levando uma grande incerteza sobre o futuro da economia mundial.
Por outro lado, um grupo de deputados e senadores apresentou, no Congresso americano, um projeto de lei que cria um imposto de importação superior a 30% para os produtos comprados na China. Um claro instrumento de pressão sobre o governo chinês, para que desvalorize sua moeda nacional. Uma volta à tradicional política americana, esquecida durante os anos Clinton, do "big stick", ou seja, do grande porrete.
Outro sinal de tempos bicudos também está de volta: o preço do ouro subiu muito nas últimas semanas. Enquanto isso, se vive, neste país tropical que é o Brasil, o início de um doce e otimista verão. A Bolsa de Valores de São Paulo, apesar da fuga dos investidores estrangeiros, não para de subir...


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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