UOL


São Paulo, sexta-feira, 03 de outubro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DESENVOLVIMENTO

Maioria dos países da região, Brasil incluso, passou por processo de "desintustrialização", afirma Unctad

Indústria regride e latinos voltam aos anos 80

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

A maioria dos países latino-americanos, incluindo o Brasil, viveu um processo de "desindustrialização" nas duas últimas décadas que os devolveu a patamares iguais ou piores aos que possuíam no início dos anos 80. Essa é uma das principais conclusões do relatório anual da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), divulgado ontem.
Em consequência, a região experimentou no período níveis de crescimento modestos, bem inferiores aos de outros países em desenvolvimento, especialmente os asiáticos. Segundo o relatório, a industrialização é o caminho mais rápido para o aumento da produtividade e da renda dos países em desenvolvimento.
A situação da América Latina é oposta à da Ásia, onde houve elevação da participação de produtos industrializados no PIB ou na pauta de exportações, o que garantiu à região níveis de crescimento cerca de duas vezes os dos países latinos.
O embaixador brasileiro Rubens Ricupero, secretário-geral da Unctad, atribui parte da responsabilidade pela desindustrialização às políticas econômicas aplicadas na região nos anos 80 e 90. "O ajuste foi feito com políticas que agravaram a dependência do exterior, e as condições macroeconômicas, ao contrário do que se diz, nunca melhoraram de fato", disse Ricupero à Folha.
Em sua opinião, os planos de estabilização foram incapazes de tirar a volatilidade e a vulnerabilidade de dois preços essenciais para o crescimento: a taxa de juros e o câmbio. "A consequência foi o desestímulo ao investimento."
Ricupero observa que o cenário descrito no relatório da Unctad se aplica à perfeição ao Brasil, onde o desemprego bate o recorde de 13% e a participação de produtos industrializados no PIB diminuiu de 32,6%, nos anos 80, para 23,7% na década seguinte.
Dados do IBGE também mostram que o investimento caiu no segundo trimestre de 2003 a 17,88% do PIB, a menor taxa desde 1993. Sem investimento, é impossível que o país amplie sua industrialização e, em consequência, a participação desse setor em sua pauta de exportações.
Para o embaixador, é pouco provável que o Brasil retome investimentos com o nível atual dos juros -a Selic, taxa básica da economia, está em 20%.
O relatório descreve da seguinte forma o processo das duas últimas décadas no Brasil e na Argentina: "O desempenho dos investimentos tem sido pobre, a indústria tem perdido sua importância na geração de emprego e de valor agregado, ganhos de produtividade têm sido cíclicos, o aperfeiçoamento industrial é limitado e as exportações continuam a ser dominadas por produtos primários ou bens manufaturados de baixo valor agregado".
E acrescenta: "Todos os grandes países latino-americanos estão no grupo no qual há pouco dinamismo na industrialização, mudanças estruturais e crescimento de produtividade, enquanto a maioria dos países asiáticos está em diferentes estágios de industrialização bem-sucedida".
O documento da Unctad aponta três linhas de políticas para a América Latina que, segundo Ricupero, não estão em desacordo com as adotadas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
A primeira é a redução do peso da dívida em relação ao PIB, que, no Brasil, está em 57,7%. A segunda é a elevação consistente dos saldos da balança comercial, o que diminui a dependência do país de recursos externos, já que aumenta a entrada de moeda forte. Neste ano, o Brasil deve ter um saldo recorde de US$ 22 bilhões, mas o resultado se deve à forte retração da economia interna, que encolhe as importações.
Nesse ponto, Ricupero sugere que o governo não permita a apreciação do real acima do patamar atual, de R$ 2,90.
A última recomendação é o aumento do valor agregado das exportações, com redução da dependência de bens primários ou de baixo conteúdo industrial.


Texto Anterior: Trabalho: Receber da Volks sem trabalhar é melhor que PDV, diz matemático
Próximo Texto: Investimento para a América Latina deve cair
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.