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São Paulo, sexta-feira, 03 de outubro de 2003

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ALÉM DO ORÇAMENTO

Bancos que praticaram operações que burlam a LRF podem ser multados, segundo o Banco Central

Empréstimo disfarçado é ilegal, afirma BC

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

É ilegal a atuação de bancos que vêm concedendo empréstimos disfarçados a municípios e a pelo menos um Estado. Quem diz isso é o diretor de fiscalização do Banco Central, Paulo Cavalheiro. De acordo com ele, simulação de crédito infringe tanto a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de 2001, como a resolução 2.461 do Conselho Monetário Nacional (CMN), de 1997.
"Esses casos caracterizam uma infração a leis e normas existentes", disse Cavalheiro.
Cavalheiro afirmou que esses casos têm sido e continuarão a ser investigados pela autoridade monetária. As punições previstas, no âmbito administrativo, vão de multas à pena de inabilitação para os diretores dos bancos.
Já o artigo 33 da LRF diz que operações de crédito que infringem à lei serão consideradas nulas. Isso significa que, nesses casos, os bancos podem ser obrigados a devolver o montante recebido como pagamento de juros.
Outra punição prevista tanto para funcionários de instituições financeiras como para administradores públicos, nessas situações, é reclusão de um a dois anos, segundo a lei 10.028 (Lei de Crimes Fiscais).

As operações
A revelação das transações foi publicada pela Folha no último domingo. A reportagem identificou quatro administrações públicas que, sem poder se endividar e com problemas de caixa, simularam empréstimos a seus funcionários por meio de convênio com bancos.
Embora o crédito esteja em nome dos servidores, os governos se responsabilizaram pela quitação do financiamento, assim como pelo pagamento dos juros, que ultrapassam 50% ao ano.
Fazem ou fizeram isso os municípios de Cuiabá (MT), Laguna (SC), Itapema (SC), além de Mato Grosso do Sul. Algumas instituições financeiras que participaram de convênios nesses casos são Banco do Brasil, Bradesco, ABN Amro e Besc (Banco do Estado de Santa Catarina).
Na última segunda-feira, Henrique Meirelles, presidente do BC, disse que mandaria investigar esse tipo de operação para descobrir se há ilegalidade no procedimento dos bancos envolvidos.

Processo aberto
Em entrevista à Folha, Cavalheiro disse que operações que ocorrem da forma descrita na reportagem são, sim, irregulares. "Já tínhamos processo aberto a respeito de alguns casos mencionados [na reportagem]. Pelo que me lembro, a prefeitura ou o Estado estava em dificuldade para pagar salários do funcionalismo", afirmou Cavalheiro, que preferiu não mencionar detalhes do caso por causa do sigilo bancário.
"Aí, se bolou esse esquema de conceder um crédito, sob modalidade de empréstimo pessoal, com garantia do Estado ou da prefeitura. O problema é quando existe uma garantia que a administração pública não pode dar, quando esta assume a dívida. Nesse caso, você burla a Lei de Responsabilidade Fiscal e a norma do CMN."

Defesa dos bancos
Embora administrações como a de Cuiabá e a de Mato Grosso do Sul assumam publicamente que o empréstimo é responsabilidade delas, os bancos envolvidos alegam que os financiamentos foram concedidos ao servidor. E afirmam desconhecer o fato de os juros serem pagos pelo governo.
Segundo Cavalheiro, isso é praticamente impossível. Indagado se o banco tem como ver de onde vem o pagamento de juros, ele é direto: "Ah tem, é lógico".

Irregular
O presidente da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), Gabriel Jorge Ferreira, afirma nunca ter ouvido falar desse tipo de transação. Mas diz que, se ocorrem, são irregulares.
"Acho difícil que uma instituição financeira faça isso. É difícil imaginar como isso pode ser feito. Mas, se ocorre assim, é totalmente irregular", disse.
Para o funcionário público municipal ou estadual, esquemas de operações de crédito simuladas são a alternativa a ficar sem salário, geralmente já atrasado.
Eles recebem a garantia verbal de que o governo quitará o financiamento, assim como arcará com os encargos financeiros da operação.
Mas isso nem sempre acontece. Nos casos de Laguna e Itapema, por exemplo, os servidores públicos municipais tiveram seus nomes inscritos nas listas negras de devedores, em 2002, pelo Besc, porque as gestões atuais não cumpriram o acordo assumido pelos prefeitos anteriores, alegando que os contratos eram irregulares.


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