São Paulo, domingo, 03 de novembro de 2002

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ILUSÃO DE ÓTICA

Mais de 64% do investimento direto estrangeiro deste ano deveu-se à conversão de dívidas das filiais com a matriz

Investimento externo vira socorro a múltis

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

Operações de socorro de empresas multinacionais às suas controladas brasileiras são responsáveis por 64,4% dos US$ 10,3 bilhões de investimento estrangeiro direto no país, neste ano.
O dinheiro é na maior parte fruto da conversão de dívidas de empresas locais em investimento, pela matriz. Esse tipo de negócio triplicou neste ano. Mas trata-se de registro contábil de transação intercompanhia.
Esse é o maior índice de conversão de dívida, em relação ao total de investimento estrangeiro direto registrado, pelo Banco Central desde 1997. Naquele ano, apenas 3,7% dos ingressos de capital no país foram por meio desse mecanismo. "O investimento direto cresceu neste ano acima do previsto por conta do aumento das operações de conversão de dívidas de empresas multinacionais", diz Walter Mendes, diretor da Schroder Brasil.
Em relação ao ano passado (considerados os dados de janeiro a setembro), essas operações cresceram 261%, segundo dados do BC. Foi um combustível tão poderoso para a conta de investimento estrangeiro direto que o BC reviu, no final de setembro, suas projeções para o ano.

Projeções
A estimativa para 2002 passou de US$ 15 bilhões para US$ 16 bilhões. "É uma boa notícia, mas a motivação é ruim," diz Jorge Simino, diretor do Unibanco Asset Management.
O que motivou os controladores estrangeiros de empresas locais a aportar capital no país, neste ano, foi a necessidade de limpar os balanços de suas subsidiárias de dívidas, especialmente aquelas contraídas em moeda estrangeira.
Segundo dados do BC, dos US$ 6,6 bilhões de conversão de dívida feita neste ano, quase a metade -US$ 3 bilhões- era de empréstimos entre matriz e subsidiária.
"Em um ano em que o dólar disparou, acumulando alta de 55,5%, enquanto as receitas das empresas caíam por conta da desaceleração dos negócios, não tem sentido a matriz exigir o pagamento da subsidiária," diz Fernando Barboza, economista do BBV Banco. Segundo analistas, o mecanismo de conversão foi a válvula de escape de muitas empresas endividadas.
Mas houve também um grande volume de títulos de dívida (eurobônus, "commercial papers", etc) emitidos por empresas locais que viraram ações, cancelando o débito. Segundo dados do BC, US$ 2,2 bilhões desses papéis de dívida foram convertidos em investimento direto em empresas brasileiras.
Nesse caso podem ter ocorrido dois tipos de movimento: 1) A matriz recomprou os papéis emitidos pela subsidiária brasileira e contabilizou o valor como aporte de capital; 2) O próprio detentor do papel, um investidor internacional, optou por trocá-lo por ações da empresa.

Desvalorização
Segundo Álvaro Taiar, consultor tributário da Price Waterhouse, muitas multinacionais decidiram recomprar títulos emitidos no exterior por filiais brasileiras para evitar que elas tivessem de arcar com os custos da desvalorização do real e com impostos.
"Nos últimos anos, algumas empresas emitiram eurobônus com prazos de vencimento de oito anos. O prazo é longo, mas o investidor tem o direito de "call", ou seja, uma vez por ano, pode pedir o resgate do título", explica.
Com o aumento do risco-país nos últimos meses, muitos investidores passaram a pedir resgate antes do prazo de vencimento. "Mas honrar esses papéis com o dólar batendo em R$ 4 significaria um impacto enorme nas contas das empresas", diz Taiar.
Além disso, muitas delas teriam um custo adicional, tributário. Acontece que os papéis de longo prazo, emitidos até 1999, são isentos da alíquota de 15% de Imposto de Renda que incide sobre os juros remetidos ao investidor. Mas desde que eles sejam levados até o vencimento.
Se houver resgate dos títulos antes da data acertada, a empresa emissora do papel terá de recolher o IR não recolhido sobre os juros pagos nos anos anteriores. "No entanto, uma norma do BC permite manter o benefício fiscal se o título de dívida for convertido em aporte de capital", acrescenta Taiar. Essa medida do BC, segundo o consultor, data de 1999 quando, após a liberação do câmbio, também ocorreu um aumento significativo das operações de conversão de dívidas.
Já as chamadas operações de "equity", em que o próprio investidor que detém o título de dívida opta por trocá-lo por ações, são muito raras no caso brasileiro, segundo Carlos Constantini, analista do BBA.


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