São Paulo, domingo, 03 de novembro de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Nova guerra mundial já começou na internet

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

Enquanto a mídia joga o facho sobre o ataque iminente ao Iraque e sobre atentados terroristas, uma guerra em escala global e que atinge níveis crescentes de violência passa quase ao largo, por enquanto olimpicamente desapercebida. Mas no final de outubro uma nova bomba foi detonada.
O petardo classifica-se como DDOS (sigla de "distributed denial of service"). Em resumo, um ataque de hackers contra os roteadores mais estratégicos da infra-estrutura da internet (os pilares dos "backbones").
Em linguagem menos técnica: trata-se de um tipo de ataque em que as redes são bombardeadas com quantidades tão grandes de informação que ocorre um congestionamento ou estrangulamento, levando à paralisação da rede de computadores.
Cada vez mais, tais ataques são perpetrados por grupos. São ataques múltiplos em que por exemplo os atacantes combinam o poder de vários computadores para inundar de informação uma determinada rede.
Segundo especialistas, o ataque ocorrido há poucos dias não tem precedentes em termos de sofisticação.
O "The Washington Post" notou que esse foi o maior e mais complexo ataque DDOS de que se tem notícia. O jornal cita uma fonte identificada apenas como sendo de "uma das organizações responsáveis pela operação de servidores de raiz". Esses "root servers" formam a espinha dorsal da rede global. Quebrar essa espinha pode significar uma potente semeadura de caos nos sistemas digitais globalizados, dos quais a internet é a ponta mais visível.
Atingir essas infra-estruturas não é apenas uma questão tecnológica. Os operadores da rede global são empresas como a WorldCom, que apenas em uma de suas unidades processa praticamente metade de todo o tráfego mundial da internet.
Há 13 servidores "de raiz" no mundo, que funcionam como "diretório mestre" da rede planetária. Ocorre que dez estão nos EUA. Derrubar essa infra-estrutura significaria abalar de modo crítico o núcleo dominante da estratégia militar-industrial americana e, de resto, uma infra-estrutura por meio da qual a potência imperial claramente domina um decisivo palco (virtual) do desenvolvimento.
Ataques desse tipo são comuns também sobre alvos determinados: Em fevereiro de 2000, a Amazon, o e-Bay e o Yahoo!, importantes portais de alcance global, tiveram suas atividades paralisadas por várias horas por causa de ataques DDOS.
Tudo isso pode ser obra de um punhado de hackers adolescentes que não têm mais o que fazer. Mas as principais autoridades da internet mundial temem também que algo mais sério possa estar em jogo.
Uma das mensagens do 11 de setembro é que as armas usadas para a destruição do inimigo infiel podem ser as que estão sob o controle do próprio inimigo. Mais ainda, podem ser coisas ou objetos que parecem pacíficos e familiares, mas que subitamente assumem claros contornos militares e de segurança global. Essa regra se aplica aos aviões. E cai como uma luva sobre a própria internet: um veículo que transporta informação e que também pode ser usado como uma bomba informacional.
O efeito mais destrutivo, no entanto, não é a paralisação temporária de serviços oferecidos pela internet. É o impacto na confiança que cada indivíduo tem na segurança de pegar um avião ou mandar um e-mail.
As escaramuças na internet talvez sejam apenas mais um exemplo de uma perda global de confiança na capacidade humana de se comunicar e cooperar.


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