São Paulo, domingo, 03 de novembro de 2002

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ANO DO DRAGÃO

Empresas pressionam por aumento de preço, enquanto trabalhadores já falam em reajuste salarial automático

Inflação pode reviver indexação e gatilho

FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

A pressão das empresas e dos trabalhadores por aumentos de preços e de salários traz à tona dois temas que foram enterrados no governo Fernando Henrique Cardoso: a indexação de preços e o gatilho salarial.
Entre os empresários há o medo generalizado em pronunciar essas duas palavras, já que ninguém tem saudade da ciranda inflacionária que o país vivia no final dos anos 80 e início dos anos 90.
Mas o fato é que a inflação anual na casa dos dois dígitos leva patrões e empregados a pensar -e também a ressuscitar- formas de se defender da alta dos preços. Há três meses o IGP-M e o IGP-DI, que refletem em parte os preços no atacado, superam 10% no período de 12 meses. Em outubro, o IGP-M bateu em 16,34%. Em setembro, o IGP-DI atingiu 14,28%.
As construtoras, por exemplo, já querem flexibilizar reajustes no caso de contratos inferiores a um ano -isto é, assim que os preços do cimento e do tijolo sobem, elas aumentam o custo da obra do cliente na mesma proporção.

Reajuste automático
Os trabalhadores, por sua vez, começam a levar para a mesa de negociação salarial a reposição automática da inflação: o gatilho. O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região quer, por exemplo, 3% de reajuste toda vez que a inflação atingir esse mesmo percentual. A FUP (Federação Única dos Petroleiros) pede 2% na pauta de reivindicações. As negociações entre eles e os patrões estão em andamento.
Desde que o dólar começou a subir, em junho, as indústrias informam que os custos também estão mais altos, já que parte das matérias-primas é importada -as empresas têm de desembolsar mais reais na hora de pagar pelo insumo estrangeiro.
Por um ou dois meses, informam, deu para segurar os aumentos (ou parte deles) porque havia a expectativa de queda do dólar. Mas como a cotação da moeda americana continua em alta, a pressão para repassar aumento de custo para os preços está cada vez maior. Esse cenário alimenta a expectativa de alta da inflação e, como consequência, da indexação e do gatilho salarial.
"Se existe demanda para reindexação é porque existe expectativa de inflação crescente. O mercado tem de resistir para que isso não aconteça. Mas, se caminhar para isso, está destruída a estabilidade do país construída pelo Plano Real", diz Juarez Rizzieri, pesquisador da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).

Sensação de disparada
A Fipe prevê inflação de 5,5% a 6% para este ano. Especialistas em preços consideram que, se essa taxa ultrapassar 10% e persistir, já não tem mais como segurar a indexação e o gatilho salarial. Dizem também que existe no ar a sensação de que os preços podem disparar porque o governo petista seria mais tolerante com a inflação do que foi o governo tucano.
"A pressão para aumentos de preços é muito forte. Há casos de empresas que precisam fazer reajustes de até 50%", diz Fábio Mestriner, presidente da Abre (Associação Brasileira de Embalagem). Com exceção do vidro, as principais matérias-primas usadas pelo setor -como papel, papelão, aço, alumínio e resinas plásticas- têm cotação internacional.
De janeiro a setembro, os custos da indústria eletroeletrônica subiram 36%, segundo levantamento da Eletros (associação dos fabricantes). As empresas conseguiram repassar para os preços entre 8% e 10%. Esperam, neste final de ano, repassar o restante, já que o consumo estará mais aquecido e o consumidor terá mais dinheiro no bolso por causa do pagamento da primeira parcela do 13º salário, até dia 30 deste mês.
A indústria de brinquedos vai tentar reajustar em cerca de 18% os preços dos produtos como consequência do aumento de custos com insumos e mão-de-obra. "A indústria e os fornecedores de matérias-primas estão em pé de guerra", afirma Synésio Batista da Costa, presidente da Abrinq.

Novidade para disfarçar
O lançamento de novos produtos é a maneira que os fabricantes encontraram para repassar aumentos sem ouvir tantas reclamações dos lojistas. Cerca de 800 brinquedos já foram lançados para o Dia das Crianças e mais 400 estarão nas lojas até o Natal.
Os empresários ouvidos pela Folha informam que o fraco consumo segura parte dos aumentos. "Só que há um limite, até para não abalar a sobrevivência das empresas", diz Roberto Faldini, diretor da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Ele diz que os aumentos efetuados pelas indústrias devem ficar entre 5% e 10%, dependendo do setor.
O movimento de aumento de preços também foi detectado pelo Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Das 1.225 indústrias ouvidas em outubro, 45% informaram que pretendem aumentar preços neste final de ano. Em igual período de 2001, época em que o dólar também estava em alta, esse percentual era de 35%.
"As indústrias estão com expectativa de aumento de preços e a indexação vem quase naturalmente quando a inflação persiste por mais tempo. Mas as empresas acreditam na inversão dessa tendência", afirma Salomão Quadros, coordenador de análises econômicas do Ibre.
O país já viveu fenômeno parecido em 1999, na desvalorização do real. "Só que, agora, está durando mais tempo, também devido à eleição. Haverá repasse de custos aos preços, não há como evitar isso. Mas não creio que seja um movimento permanente."


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