São Paulo, domingo, 03 de novembro de 2002

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ANÁLISE

Por que o Fed deve cortar as taxas de juros

DO "FINANCIAL TIMES"

A economia dos EUA está crescendo de acordo com a tendência histórica, o nível de desemprego pós-recessão é o mais baixo em décadas, o setor imobiliário funciona a todo o vapor e ainda assim os mercados financeiros esperam que na semana que vem o Fed (BC dos EUA) corte as taxas de juros para 1,5%, seu ponto mais baixo em 40 anos. Será que enlouqueceram?
Alguns acham que o clima de desânimo anda exagerado, particularmente os que esperam que a economia não lhes custe votos nas eleições que marcam a metade do mandato presidencial, na semana que vem. Como a equipe econômica de Bush vem destacando repetidamente em sua campanha para animar o público, não há muitos indicadores concretos de que os EUA estejam voltando à recessão.
O crescimento anualizado de 3,1% registrado pelos EUA no terceiro trimestre é razoável, sob qualquer parâmetro. E, embora ao longo do verão tenha surgido uma perturbadora incongruência entre os sólidos fundamentos econômicos e os mercados fragmentados, em outubro as ações tiveram um de seus melhores meses em 15 anos.
Mas os mercados e o Fed têm motivo para preocupação. A realidade das economias norte-americana e mundial é muito mais sombria do que os números sobre o passado recente parecem indicar. O peso das provas sugere que por volta de setembro o crescimento do terceiro trimestre já estava perdendo o gás.
Além disso, quando encaramos o futuro como os bancos centrais são pagos para fazer, surge o medo real de que boa parte desse crescimento tenha sido "emprestada" do futuro. Se o padrão da primeira metade do ano -um início brilhante por alguns meses seguido de desaceleração abrupta- se repetir, a economia terminará o ano envolta em desânimo.
É certo que o aumento do consumo no terceiro trimestre, estimulado pelas vendas de carros, perdeu o ímpeto. Os números do varejo em setembro mostram que, enquanto o setor de carros se retraiu, os demais não conseguiram crescer. Embora o investimento das empresas em computadores e software tenha estimulado favoravelmente a economia no terceiro trimestre, o sentimento entre as empresas é em geral de cautela e hesitação. Além disso, sempre que a economia norte-americana ensaia perder o fôlego ressurge o medo de que os consumidores vão escolher justamente esse momento para seguir as empresas e começar a reduzir suas montanhas de dívidas.
O Fed está diante de uma escolha difícil. Pode usar parte de seus preciosos 175 pontos básicos de munição agora, assumindo o risco de que as incertezas quanto a uma guerra contra o Iraque podem inutilizar seus esforços para estimular os gastos. Ou pode suspender o fogo e torcer para não ficar para trás, ultrapassado por uma dinâmica de redução de dívidas e possível deflação.
No geral, como demonstra a experiência japonesa, não há muitos motivos para esperar. A incerteza geopolítica pode durar muitos meses, e há outras alavancas monetárias que o Fed pode acionar mesmo que a taxa de fundos federais caia a zero.
Outro motivo para agir é o fato de que os EUA estão consideravelmente sozinhos. A interminável espera por um salto na demanda do resto do mundo que absorva a sua capacidade ociosa está atingindo proporções beckettianas ("Vamos crescer." "Não podemos." "Por que não?" "Estamos esperando pela Europa." "Ah!") e é provável que se alongue até o ano que vem. O Banco Central Europeu, ainda obcecado pelas taxas de inflação do passado, deveria adotar uma postura agressiva e voltada para o futuro, mas não está fazendo isso. Cabe ao Fed mostrar-lhe o caminho.


Tradução de Paulo Migliacci

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