São Paulo, sexta-feira, 03 de novembro de 2006

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Fazendeiro dos EUA recusa vender usina

Produção de etanol visava valorizar milho que plantam; investidores de Wall Street fazem propostas de compra milionárias

Agricultores americanos têm dito não a ofertas de fundos e bancos por razões sentimentais; somente duas usinas foram vendidas

ALEXEI BARRIONUEVO
DO "NEW YORK TIMES"

Os fazendeiros não vêem dinheiro rápido com muita freqüência. Mas os grandes lucros que vêm sendo obtidos pelas usinas de etanol atraíram dezenas de banqueiros de Wall Street, para as fazendas de milho do Meio-Oeste, nas quais prometem a milhares de fazendeiros riqueza instantânea.
A maioria dos agricultores, porém, vem relutando em aceitar a oferta.
Isso porque as usinas surgiram na procura de alternativas para fazer com que o milho que plantam obtenha preço superior a US$ 2 por bushel. À procura de uma saída, um grupo de fazendeiros locais e de comunidades vizinhas viajou por todo o Estado, três anos atrás, a fim de tentar levantar dinheiro para uma usina de US$ 60 milhões que transformaria parte do milho que produzem em etanol para elevar suas rendas.
Quando os preços do etanol ultrapassaram a barreira de US$ 1 por litro, no terceiro trimestre, a usina se tornou um sucesso estrondoso.
E foi então que os endinheirados começaram a aparecer. Novas ofertas -algumas da ordem de US$ 275 milhões- começaram a surgir praticamente toda semana, vindas de bancos de investimento ou fundos de hedge interessados em adquirir a usina. Para os fazendeiros, especialmente os que levantaram sua participação no projeto como empréstimo, uma venda poderia representar um lucro da ordem de 1.000%.
Até agora, porém, os proprietários da usina resistiram às ofertas. Para eles -e muitos outros agricultores que investiram no etanol em todo o país-, as usinas de etanol representam mais que um bilhete premiado de loteria. Significam investimento emocional no futuro de suas fazendas e comunidades, uma chance de maior independência e um senso de orgulho por estarem tornando os EUA menos dependentes do petróleo importado.
"Os fazendeiros nunca foram bons em ganhar dinheiro", disse Mark Casner, 30, cuja família trabalha em agricultura há sete gerações e é membro do conselho da Mid-Missouri Energy, a usina de etanol local. Ele se opõe à venda. "As pessoas se envolveram porque gostam do que estamos fazendo."
A despeito da atmosfera de corrida do ouro, apenas duas usinas de etanol controladas por agricultores foram vendidas a forasteiros, pelo que se sabe: em Iowa e em Minnesota.
Um misterioso investidor que visitou a usina Mid-Missouri alguns meses atrás alegava representar um fundo de US$ 11 bilhões direcionado ao etanol e delineou uma oferta da ordem de US$ 275 milhões. O problema? "Ele na verdade nem sabia o que era etanol", disse Ryland Utlaut, 40 anos na cultura do milho e presidente do conselho da Mid-Missouri. "Isso me incomoda. Nós construímos essa usina." Mas recentemente certa dose de arrependimento começou a se manifestar. O mercado de etanol caiu nas últimas semanas, de modo que, para os fazendeiros de todo o Meio-Oeste, a janela de oportunidade para grandes lucros pode estar se fechando. "Nós, como membros do conselho, temos forte apego à usina", disse Utlaut. "Mas o orgulho pode ser causa de pobreza."
Nos primeiros sete meses de operação da usina, inaugurada em fevereiro de 2005, ela obteve lucro de US$ 6,6 milhões, sobre o investimento original de US$ 22 milhões realizado pelos agricultores. Os fazendeiros que investiram a cota mínima de US$ 22 mil receberam dividendos de US$ 6.000.
O conselho de 15 membros continua a debater se deve ou não autorizar a venda de parte das ações da usina, quanto mais seu controle. Alguns conselheiros afirmam que estão confiantes em que os preços do etanol se manterão fortes por 10 ou 20 anos. Mais importante, os agricultores que investiram na usina estão recebendo entre US$ 0,10 e US$ 0,15 a mais por bushel de milho que vendem, porque a Mid-Missouri paga um ágio com relação aos negociantes locais do produto.
"Eu sou agricultor há 50 anos, e isso é algo pelo que esperamos nossas vidas inteiras: uma maneira de aumentar o valor de nossas commodities agrícolas", disse Marvin Oerke, 66, conselheiro da usina. "Eu odiaria perder essa oportunidade de deixar alguma coisa para nossos filhos e netos."
Neste ano, antes do boom nas ofertas de aquisição, os diretores da Mid-Missouri decidiram duplicar o tamanho da usina.
Os lucros do etanol estão apenas começando a se difundir na economia local. Os fazendeiros investiram em galpões de armazenagem, nos dois últimos anos, que ampliaram em 5 milhões de bushels a capacidade local. Isso lhes permite mais flexibilidade para decidir quando e como vender seu milho, maximizando os preços.
Se o conselho da Mid-Missouri decidir recomendar a venda da usina, conquistar a aprovação dos cotistas não seria nada fácil. "Eu optaria por mantê-la", disse Brent Gorrell, fazendeiro que investiu ali.
Mas outros fazendeiros que investiram na usina pressionam Utlaut com telefonemas sobre os mais recentes boatos sobre ofertas vultosas. Muitos deles, especialmente os que obtiveram empréstimos para bancar suas cotas, declaram-se "dispostos a vender seus interesses", disse Utlaut.
Em Wall Street, porém, muitos investidores se espantam diante do debate dos fazendeiros. "Eles perderam o juízo", disse Peter C. Fusaro, sócio do Energy Hedge Fund Center, que acompanha os fundos de hedge de energia. "Haverá excesso de etanol."
Os preços do etanol já caíram à metade ante o pico de US$ 1,11 por litro atingido no mercado spot de Chicago em junho. Investidores externos estão perseguindo os fazendeiros agora porque desejam fazer parte do boom do etanol usando usinas já instaladas antes que o mercado de etanol entre em baixa. Com dezenas de novas usinas entrando em operação no ano que vem, o prazo para começar a construção de novos projetos é de três anos, disse Ron Fagen, presidente-executivo da Fagen, a maior construtora de usinas de etanol dos Estados Unidos.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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