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Fazendeiro dos EUA recusa vender usina
Produção de etanol visava valorizar milho que plantam; investidores de Wall Street fazem propostas de compra milionárias
Agricultores americanos têm dito não a ofertas de fundos e bancos por razões sentimentais; somente duas
usinas foram vendidas
ALEXEI BARRIONUEVO
DO "NEW YORK TIMES"
Os fazendeiros não vêem dinheiro rápido com muita freqüência. Mas os grandes lucros
que vêm sendo obtidos pelas
usinas de etanol atraíram dezenas de banqueiros de Wall
Street, para as fazendas de milho do Meio-Oeste, nas quais
prometem a milhares de fazendeiros riqueza instantânea.
A maioria dos agricultores,
porém, vem relutando em aceitar a oferta.
Isso porque as usinas surgiram na procura de alternativas
para fazer com que o milho que
plantam obtenha preço superior a US$ 2 por bushel. À procura de uma saída, um grupo de
fazendeiros locais e de comunidades vizinhas viajou por todo
o Estado, três anos atrás, a fim
de tentar levantar dinheiro para uma usina de US$ 60 milhões que transformaria parte
do milho que produzem em
etanol para elevar suas rendas.
Quando os preços do etanol
ultrapassaram a barreira de
US$ 1 por litro, no terceiro trimestre, a usina se tornou um
sucesso estrondoso.
E foi então que os endinheirados começaram a aparecer.
Novas ofertas -algumas da ordem de US$ 275 milhões- começaram a surgir praticamente
toda semana, vindas de bancos
de investimento ou fundos de
hedge interessados em adquirir
a usina. Para os fazendeiros, especialmente os que levantaram
sua participação no projeto como empréstimo, uma venda
poderia representar um lucro
da ordem de 1.000%.
Até agora, porém, os proprietários da usina resistiram às
ofertas. Para eles -e muitos
outros agricultores que investiram no etanol em todo o país-,
as usinas de etanol representam mais que um bilhete premiado de loteria. Significam investimento emocional no futuro de suas fazendas e comunidades, uma chance de maior independência e um senso de orgulho por estarem tornando os
EUA menos dependentes do
petróleo importado.
"Os fazendeiros nunca foram
bons em ganhar dinheiro", disse Mark Casner, 30, cuja família trabalha em agricultura há
sete gerações e é membro do
conselho da Mid-Missouri
Energy, a usina de etanol local.
Ele se opõe à venda. "As pessoas se envolveram porque gostam do que estamos fazendo."
A despeito da atmosfera de
corrida do ouro, apenas duas
usinas de etanol controladas
por agricultores foram vendidas a forasteiros, pelo que se sabe: em Iowa e em Minnesota.
Um misterioso investidor
que visitou a usina Mid-Missouri alguns meses atrás alegava representar um fundo de
US$ 11 bilhões direcionado ao
etanol e delineou uma oferta da
ordem de US$ 275 milhões.
O problema? "Ele na verdade
nem sabia o que era etanol",
disse Ryland Utlaut, 40 anos na
cultura do milho e presidente
do conselho da Mid-Missouri.
"Isso me incomoda. Nós construímos essa usina." Mas recentemente certa dose de arrependimento começou a se manifestar. O mercado de etanol
caiu nas últimas semanas, de
modo que, para os fazendeiros
de todo o Meio-Oeste, a janela
de oportunidade para grandes
lucros pode estar se fechando.
"Nós, como membros do conselho, temos forte apego à usina", disse Utlaut. "Mas o orgulho pode ser causa de pobreza."
Nos primeiros sete meses de
operação da usina, inaugurada
em fevereiro de 2005, ela obteve lucro de US$ 6,6 milhões, sobre o investimento original de
US$ 22 milhões realizado pelos
agricultores. Os fazendeiros
que investiram a cota mínima
de US$ 22 mil receberam dividendos de US$ 6.000.
O conselho de 15 membros
continua a debater se deve ou
não autorizar a venda de parte
das ações da usina, quanto mais
seu controle.
Alguns conselheiros afirmam que estão confiantes em
que os preços do etanol se manterão fortes por 10 ou 20 anos.
Mais importante, os agricultores que investiram na usina estão recebendo entre US$ 0,10 e
US$ 0,15 a mais por bushel de
milho que vendem, porque a
Mid-Missouri paga um ágio
com relação aos negociantes locais do produto.
"Eu sou agricultor há 50
anos, e isso é algo pelo que esperamos nossas vidas inteiras:
uma maneira de aumentar o
valor de nossas commodities
agrícolas", disse Marvin Oerke,
66, conselheiro da usina. "Eu
odiaria perder essa oportunidade de deixar alguma coisa para nossos filhos e netos."
Neste ano, antes do boom nas
ofertas de aquisição, os diretores da Mid-Missouri decidiram
duplicar o tamanho da usina.
Os lucros do etanol estão
apenas começando a se difundir na economia local. Os fazendeiros investiram em galpões de armazenagem, nos dois
últimos anos, que ampliaram
em 5 milhões de bushels a capacidade local. Isso lhes permite
mais flexibilidade para decidir
quando e como vender seu milho, maximizando os preços.
Se o conselho da Mid-Missouri decidir recomendar a
venda da usina, conquistar a
aprovação dos cotistas não seria nada fácil. "Eu optaria por
mantê-la", disse Brent Gorrell,
fazendeiro que investiu ali.
Mas outros fazendeiros que
investiram na usina pressionam Utlaut com telefonemas
sobre os mais recentes boatos
sobre ofertas vultosas. Muitos
deles, especialmente os que obtiveram empréstimos para
bancar suas cotas, declaram-se
"dispostos a vender seus interesses", disse Utlaut.
Em Wall Street, porém, muitos investidores se espantam
diante do debate dos fazendeiros. "Eles perderam o juízo",
disse Peter C. Fusaro, sócio do
Energy Hedge Fund Center,
que acompanha os fundos de
hedge de energia. "Haverá excesso de etanol."
Os preços do etanol já caíram
à metade ante o pico de US$ 1,11
por litro atingido no mercado
spot de Chicago em junho.
Investidores externos estão
perseguindo os fazendeiros
agora porque desejam fazer
parte do boom do etanol usando usinas já instaladas antes
que o mercado de etanol entre
em baixa. Com dezenas de novas usinas entrando em operação no ano que vem, o prazo para começar a construção de novos projetos é de três anos, disse Ron Fagen, presidente-executivo da Fagen, a maior construtora de usinas de etanol dos
Estados Unidos.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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