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ANÁLISE
Quanto maior a bolha atual, maior será o inevitável estouro
Para o economista Nouriel Roubini, juros negativos nos EUA e dólar fraco
geram "mãe" de todos os "carry trades" e bolha global cujo estouro é inevitável
NOURIEL ROUBINI
DO "FINANCIAL TIMES"
Desde março vem ocorrendo
um aumento maciço em ativos
de alto risco de todo tipo -participações, preços do petróleo,
energia e commodities-, um
estreitamento dos "spreads" de
alta rentabilidade e alta classificação e um aumento maior
ainda nas classes de ativos de
mercados emergentes (suas
ações, obrigações e moedas).
Ao mesmo tempo, o dólar caiu
muito, enquanto a rentabilidade dos títulos governamentais
tem aumentado ligeiramente,
mas se mantido baixa e estável.
Essa recuperação dos ativos
de alto risco é movida em parte
por melhores condições econômicas fundamentais. Evitamos
uma quase depressão e um derretimento do setor financeiro
com um estímulo monetário e
fiscal maciço e pacotes de socorro aos bancos. Quer a recuperação tenha formato de V,
conforme a visão consensual,
ou tenha formato de U e seja
anêmica, como eu argumento,
os preços dos ativos deveriam
estar subindo gradualmente.
Contudo, ao mesmo tempo
em que as economias americana e global iniciaram uma recuperação modesta, desde março
os preços dos ativos vêm subindo vertiginosamente, numa alta grande e sincronizada. Em
2008, quando o dólar subia, os
preços dos ativos estavam em
queda forte, mas, desde março,
eles têm recuperação acentuada, enquanto o dólar cai. Os
preços dos ativos de alto risco
vêm subindo demais, cedo demais e rápido demais em comparação com os fundamentos.
O que está por trás dessa alta
maciça? Com certeza, foi ajudada pela onda de liquidez advinda de juros a quase zero e
flexibilização quantitativa das
condições monetárias. Mas um
fator mais importante que alimenta a bolha de ativos é a fraqueza do dólar americano, movida pela "mãe" de todos os
"carry trades" [operação em
que o investidor pega empréstimos com juros muito baixos,
como os dos EUA hoje, e aplica
em outros ativos]. O dólar virou
a principal moeda a financiar
os "carry trades", na medida em
que o Fed [BC dos EUA] vem
segurando os juros. Os investidores que estão vendendo o dólar a descoberto para comprar
ativos de rentabilidade maior e
outros ativos globais em base
altamente alavancada não estão só contraindo empréstimos
a juros zero em termos do dólar
-estão contraindo empréstimos a juros muito negativos,
que podem chegar a 10% ou
20% negativos ao ano-, na medida em que a queda do dólar
leva a ganhos maciços de capital sobre posições do dólar.
Resumindo: negociantes estão contraindo empréstimos a
juros negativos de 20% para investir em base altamente alavancada em uma massa de ativos globais de alto risco que estão subindo devido ao excesso
de liquidez e a um "carry trade"
maciço. Cada investidor que joga esse jogo de alto risco fica parecendo um gênio -mesmo
que só navegue numa bolha
imensa-, já que os retornos totais têm estado na faixa entre
50% e 70% desde março.
A consciência que as pessoas
têm do valor em risco de seus
portfólios deveria ter aumentado devido à correlação crescente dos riscos entre classes diferentes de ativos, todos movidos
por essa política monetária comum e pelo "carry trade". Na
prática, virou uma grande negociação comum -você compra o dólar para adquirir qualquer ativo de alto risco.
Ao mesmo tempo, porém, o
risco percebido das classes individuais de ativos vem declinando, na medida em que a volatilidade diminuiu graças à política do Fed de comprar tudo
que está à vista. Assim, o efeito
conjunto da política de taxa zero sobre fundos do próprio Fed,
flexibilização quantitativa das
condições monetárias e aquisição maciça de instrumentos de
dívida de longo prazo está aparentemente fazendo o mundo
ser seguro -por enquanto-
para o maior de todos os "carry
trades" e a maior de todas as
bolhas de ativos globais altamente alavancados.
Ao mesmo tempo em que essa política alimenta a bolha global, também alimenta uma nova bolha de ativos americanos.
Dinheiro fácil, facilitação do
crédito e fluxo maciço de capitais para os EUA por meio de
um acúmulo de reservas em divisas estrangeiras em outros
países tornam os deficit fiscais
dos EUA mais fáceis de financiar e alimentam a bolha americana de participações e crédito.
Finalmente, um dólar fraco é
bom para as participações acionárias americanas, já que pode
gerar crescimento maior e elevar os lucros de multinacionais.
A política americana insensata que alimenta esses "carry
trades" obriga outros países a
adotar a mesma política monetária. Políticas de juros a quase
zero e flexibilização quantitativa já eram seguidas no Reino
Unido, na zona do euro, no Japão, na Suécia e em outras economias avançadas, mas a debilidade do dólar vem agravando
essa flexibilização monetária
global. Ásia e América Latina,
preocupadas com a fraqueza do
dólar, estão intervindo agressivamente para impedir a valorização excessiva de suas moedas. Isso segura os juros de curto prazo em níveis inferiores
aos desejáveis. É possível que
os BCs também sejam forçados
a reduzir os juros.
Preocupados com o dinheiro
quente que vem inflando suas
moedas, algumas autoridades,
como as do Brasil, vêm impondo controles aos fluxos de capital entrantes. Mas a bolha do
"carry trade" vai se agravar: se
as moedas estrangeiras se valorizarem mais, o custo negativo
dos empréstimos do "carry trade" ficará ainda maior. Se intervenções ou operações no mercado aberto controlarem a valorização das moedas, a flexibilização monetária doméstica
decorrente alimentará a bolha
nessas economias. Assim, a bolha perfeitamente correlacionada de todas as classes de ativos globais cresce diariamente.
Mas essa bolha vai estourar
um dia, levando ao maior estouro coordenado de ativos já
visto: se fatores puderem levar
o dólar a reverter sua queda e a
se valorizar repentinamente
-como em inversões anteriores-, o "carry trade" alavancado terá de ser encerrado de
uma hora para a outra, à medida que os investidores cobrem
suas transações a descoberto
com dólar. Haverá um estouro
da boiada, com o fechamento
de posições de alto risco e alavancagem longa em todas as
classes de ativos financiadas
por transações em dólar a descoberto gerando colapso coordenado de todos esses ativos de
alto risco -ações, commodities, ativos de emergentes e instrumentos de crédito.
Por que esses "carry trades"
desabarão? Para começar, o dólar não pode cair a zero, e em algum momento se estabilizará;
quando isso acontecer, o custo
de empréstimos em dólar repentinamente se tornará zero,
em lugar de altamente negativo, e o risco de uma inversão no
dólar levará muitos investidores a cobrirem suas transações
a descoberto. Em segundo lugar, o Fed não poderá suprimir
a volatilidade para sempre. Em
terceiro, se o crescimento americano surpreender positivamente, os mercados podem começar a esperar que um arrocho do Fed chegue mais cedo,
não mais tarde. Em quarto, pode haver fuga do risco movida
pelo medo de um repique recessivo ou risco geopolítico, como um choque EUA/Israel-Irã.
Esse processo pode não ocorrer por algum tempo, já que o
dinheiro fácil e a liquidez global
excessiva ainda poderão elevar
os ativos por algum tempo.
Mas, quanto mais se prolongarem e quanto mais crescer a bolha, maior o crash. O Fed e outros responsáveis pela política
econômica parecem não ter
consciência da bolha monstro
que criam. Quanto mais tempo
permanecerem cegos, mais dolorosa será a queda.
NOURIEL ROUBINI é professor da Universidade
de Nova York e presidente da RGE Monitor.
Tradução de CLARA ALLAIN
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