São Paulo, terça-feira, 03 de novembro de 2009

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G20 discute "reforma do mundo"

Ministros e presidentes de BCs do grupo debatem políticas de crescimento sustentável no pós-crise

Relativo consenso atingido no auge da crise tende a se dissolver: países divergem sobre melhores práticas e sobre o novo "xerife" global

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES

Ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais dos países do G20 trancam-se no fim de semana em um luxuriante resort de golfe em Saint Andrews (Escócia) para começar a debater o que, com algum exagero, poderia ser chamado de reforma do mundo.
Na linguagem sempre mais prolífica dos comunicados oficiais, o tema central do encontro será a "Moldura para Crescimento Forte, Sustentável e Equilibrado", lançada na cúpula do grupo em Pittsburgh, faz um mês e meio.
Ainda em linguagem contida, trata-se de "buscar políticas destinadas a evitar que os ciclos de crédito e de preços de ativos se tornem forças de desestabilização e procurar um padrão mais equilibrado de crescimento da demanda global".
Na prática, o que as negociações preliminares apontam é um nítido confronto entre o mundo rico e os países emergentes em torno de dois pontos: o que é exatamente "crescimento equilibrado" e quem deve ser o xerife a organizar o "padrão mais equilibrado".
Os emergentes, Brasil à frente, querem que seja o próprio G20 o ator principal do que o jargão chama de "peer review", ou revisão pelos parceiros das políticas de cada país que possam interferir na saúde econômica dos demais.
Já o mundo rico prefere o FMI (Fundo Monetário Internacional), que o Brasil rejeita; primeiro porque os ricos têm mais voz e voto do que os emergentes, e, segundo, porque "os ricos não têm experiências passadas com o FMI, ao contrário de nós", como a Folha ouviu na delegação brasileira.
A reforma do FMI para corrigir o desequilíbrio entre ricos, pobres e emergentes está sendo discutida no fundo e tem data marcada para ser implementada (2011). Por isso mesmo, não deve estar entre os temas centrais na Escócia.
O economista Nouriel Roubini, colunista desta Folha e famoso por ter sido dos poucos a prever a crise global, captou essa divergência em recente artigo e antecipou sua posição: "Essa organização internacional nascente [o G20] não é o tratamento mágico de que a economia mundial tem necessidade. É a extensão dos poderes do FMI que permitirá alcançar os difíceis objetivos políticos e econômicos" [que o mundo busca], escreveu.
Quanto à definição de crescimento "equilibrado", originalmente se referia ao fato de que um dos fatores relevantes para a crise global de 2008/09 foi o excesso de consumo dos EUA e o excesso de exportações da China (principalmente, mas não exclusivamente; Japão e Alemanha também são apontados como responsáveis por esse desequilíbrio).
Na cúpula de Pittsburgh, os EUA tentaram, sem sucesso, uma formulação menos anódina do que a que acabou sendo usada no comunicado final para se referir à "Moldura".
Voltarão à carga na Escócia, mesmo ante uma incipiente retomada econômica que poderia fazer esquecer os "desequilíbrios" preexistentes à crise.
Mas há um certo consenso entre os economistas de que "a recuperação que se desenha é insustentável a médio prazo. Ela relança o modelo econômico que conduziu ao "crash" sem resolver os desequilíbrios estruturais da globalização", como diz o economista e historiador francês Nicolas Baverez.
Como se esse desequilíbrio já não bastasse para complicar a discussão, o Brasil chega à Escócia com a tese de que "crescimento equilibrado", do ponto de vista dos emergentes, é também redução da pobreza e investimentos em infraestrutura, além dos pontos clássicos da macroeconomia que o mundo rico sempre aponta.
Tudo somado, fica claro que o relativo consenso das reuniões anteriores do G20, quando a crise concentrava as atenções, tende a se dissolver agora que o grupo passa a olhar para o pós-crise.


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