|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
G20 discute "reforma do mundo"
Ministros e presidentes de BCs do grupo debatem políticas de crescimento sustentável no pós-crise
Relativo consenso atingido
no auge da crise tende a se dissolver: países divergem sobre melhores práticas e sobre o novo "xerife" global
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES
Ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais dos
países do G20 trancam-se no
fim de semana em um luxuriante resort de golfe em Saint
Andrews (Escócia) para começar a debater o que, com algum
exagero, poderia ser chamado
de reforma do mundo.
Na linguagem sempre mais
prolífica dos comunicados oficiais, o tema central do encontro será a "Moldura para Crescimento Forte, Sustentável e
Equilibrado", lançada na cúpula do grupo em Pittsburgh, faz
um mês e meio.
Ainda em linguagem contida,
trata-se de "buscar políticas
destinadas a evitar que os ciclos
de crédito e de preços de ativos
se tornem forças de desestabilização e procurar um padrão
mais equilibrado de crescimento da demanda global".
Na prática, o que as negociações preliminares apontam é
um nítido confronto entre o
mundo rico e os países emergentes em torno de dois pontos:
o que é exatamente "crescimento equilibrado" e quem deve ser o xerife a organizar o "padrão mais equilibrado".
Os emergentes, Brasil à frente, querem que seja o próprio
G20 o ator principal do que o
jargão chama de "peer review",
ou revisão pelos parceiros das
políticas de cada país que possam interferir na saúde econômica dos demais.
Já o mundo rico prefere o
FMI (Fundo Monetário Internacional), que o Brasil rejeita;
primeiro porque os ricos têm
mais voz e voto do que os emergentes, e, segundo, porque "os
ricos não têm experiências passadas com o FMI, ao contrário
de nós", como a Folha ouviu na
delegação brasileira.
A reforma do FMI para corrigir o desequilíbrio entre ricos, pobres e emergentes está
sendo discutida no fundo e tem
data marcada para ser implementada (2011). Por isso mesmo, não deve estar entre os temas centrais na Escócia.
O economista Nouriel Roubini, colunista desta Folha e famoso por ter sido dos poucos a
prever a crise global, captou essa divergência em recente artigo e antecipou sua posição:
"Essa organização internacional nascente [o G20] não é o
tratamento mágico de que a
economia mundial tem necessidade. É a extensão dos poderes do FMI que permitirá alcançar os difíceis objetivos políticos e econômicos" [que o
mundo busca], escreveu.
Quanto à definição de crescimento "equilibrado", originalmente se referia ao fato de que
um dos fatores relevantes para
a crise global de 2008/09 foi o
excesso de consumo dos EUA e
o excesso de exportações da
China (principalmente, mas
não exclusivamente; Japão e
Alemanha também são apontados como responsáveis por esse desequilíbrio).
Na cúpula de Pittsburgh, os
EUA tentaram, sem sucesso,
uma formulação menos anódina do que a que acabou sendo
usada no comunicado final para se referir à "Moldura".
Voltarão à carga na Escócia,
mesmo ante uma incipiente retomada econômica que poderia
fazer esquecer os "desequilíbrios" preexistentes à crise.
Mas há um certo consenso
entre os economistas de que "a
recuperação que se desenha é
insustentável a médio prazo.
Ela relança o modelo econômico que conduziu ao "crash" sem
resolver os desequilíbrios estruturais da globalização", como diz o economista e historiador francês Nicolas Baverez.
Como se esse desequilíbrio já
não bastasse para complicar a
discussão, o Brasil chega à Escócia com a tese de que "crescimento equilibrado", do ponto
de vista dos emergentes, é também redução da pobreza e investimentos em infraestrutura,
além dos pontos clássicos da
macroeconomia que o mundo
rico sempre aponta.
Tudo somado, fica claro que
o relativo consenso das reuniões anteriores do G20, quando a crise concentrava as atenções, tende a se dissolver agora
que o grupo passa a olhar para
o pós-crise.
Texto Anterior: Análise: Quanto maior a bolha atual, maior será o inevitável estouro Próximo Texto: Gasto com bancos falidos nos EUA dispara Índice
|