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São Paulo, quarta-feira, 03 de dezembro de 2003

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LUÍS NASSIF

Parafuso sextavado

É inacreditável como a discussão macroeconômica perdeu o eixo, a capacidade de se guiar pelos princípios básicos que regem a economia e os mercados. Por que se perdeu o eixo, por que esse parafuso sextavado que gira, gira e não sai do lugar?
A pior herança de Fernando Henrique Cardoso foi uma tecnologia de governabilidade que ele foi buscar nas raízes brasileiras, que é basicamente burocrata e imobilista, mas acabou sendo incorporada pelo governo petista.
De um lado há os coronéis regionais. A administração de suas demandas é relativamente simples. Distribuem-se cargos, verbas, atrapalha-se a gestão, mas as demandas são administráveis.
A questão é quando entram as demandas das forças econômicas. Nos Estados Unidos há uma visão de país que se sobrepõe aos interesses imediatos dos grupos econômicos. Historicamente o Brasil não conseguiu desenvolver esses valores. Novos grupos assumem posições dominantes e tentam eternizá-las. Aí se cria uma estratificação econômica, um imobilismo que vai bater na dívida pública -por meio da emissão de títulos ou de moedas- e se resolve via crise.
Estadistas rompem com essas armadilhas. Governantes sem visão estratégica preferem contemporizar e cuidar só do aspecto tático da política. E acabam engolidos pela tática, como ocorreu com FHC.
Um projeto de país tem que contemplar papéis claros para cada setor. Há que criar um ambiente econômico favorável, um estímulo ao empreendedorismo de pequenas e médias empresas; um plano de vôo para a internacionalização dos grandes grupos; o aproveitamento saudável das multinacionais, mercado de capitais adequados, um esforço sistemático de investimento em educação, saúde e pesquisa, investimentos em áreas críticas de infra-estrutura.
Quando se busca a governabilidade pela governabilidade, sem plano de vôo, perde-se a noção de conjunto, atendem-se as demandas pontuais e fica-se prisioneiro do modelo.
O primeiro governo FHC subordinou a política econômica ao mercado financeiro e aos grandes grupos nacionais e multinacionais. Dividiu o Brasil em dois: aquele com acesso a dólares -juros módicos e capital abundante- e aquele preso ao real. Essa subordinação aprisionou o governo à armadilha cambial, que explodiu em 1999. No final do governo, apenas o setor financeiro ainda apoiava FHC.
O governo Lula está indo pelo mesmo caminho. O leque de alianças foi ampliado, mas o dinheiro é um só. Numa ponta, o Banco Central se subordina aos interesses do mercado. Há um aumento de pressão dos grandes grupos industriais. Aí se oferece a eles o fim da cumulatividade da Cofins. Como não há plano de vôo, nem gestão de despesa, nem visão sistêmica de país, para quem vai a conta? Para os grupos não-organizados, pequenas e médias empresas e todos os grupos demandantes de serviços públicos. E aí o país não decola mesmo.

Alienista
O vice-presidente José Alencar é um marciano. Suas declarações são das poucas manifestações de bom senso e objetividade desse país de cabeças de planilha. Onde ele pensa que está? Nos EUA?

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