São Paulo, Sexta-feira, 04 de Fevereiro de 2000


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OPINIÃO ECONÔMICA

A privatização e o destino dos seus recursos

MAILSON DA NÓBREGA

No Brasil, a privatização de empresas estatais tem pelo menos três vantagens: (1) aumentar a eficiência da economia e o bem-estar da sociedade; (2) assegurar investimentos em áreas cruciais para o desenvolvimento do país; e (3) contribuir para a redução dos graves problemas fiscais do país.
Segundo o BNDES, o governo FHC elegeu três objetivos básicos para o Programa de Privatização: (1) redefinir o papel do Estado mediante a transferência de suas atividades econômicas para o setor privado; (2) sanear as estruturas financeiras nos níveis federal, estadual e municipal; e (3) reduzir o endividamento público.
Com seus altos e baixos, a privatização vai bem. Seus efeitos são bem visíveis nas telecomunicações. Os serviços melhoraram substancialmente. Na telefonia, aumentou a oferta, caiu o preço e o celular se popularizou.
Menos visíveis (mas não menos importantes) são os efeitos nas áreas de siderurgia, mineração, petroquímica, energia e transporte. Em todas elas, aumentou a produtividade do trabalho e a eficiência das empresas.
Ainda há problemas na regulação e nas concessões na área dos transportes, mas o aprendizado de contribuir para melhorar a situação. Em compensação, a competição chegou a áreas que antes eram monopólio e se assiste à inédita aplicação de multas pela má prestação dos serviços.
Um aspecto pouco percebido da privatização foi assinalado por Sérgio Abranches em estudo recente. Ele observa que "a economia brasileira deixou de ser uma economia mista, passando a ser uma economia privada de mercado".
O eixo dinâmico do padrão de produção, acumulação e investimento foi transferido, prossegue Abranches, para o setor privado, "dentro de uma nova lógica, que responde a estímulos muito diferentes".
Segundo o BNDES, o resultado acumulado atingirá US$ 100 bilhões neste ano, basicamente aplicados na redução de dívida (a parte relativa ao custo da concessão pode financiar gastos). Além disso, as dívidas foram transferidas aos novos controladores.
A privatização estancou o suprimento de recursos do Tesouro às estatais. Diminuiu o prejuízo resultante de dividendos inferiores aos juros da dívida pública. Caíram o tamanho da dívida e as despesas com os respectivos juros.
O que mais se vê no Brasil, entretanto, são discussões sobre o preço de venda das estatais ou demandas de utilização dos recursos em outras finalidades.
.A proposta para usar os recursos em outras finalidades tem mais apelo se assinalar que eles serão aplicados em gastos sociais. No Brasil, muita gente está convencida de que é absolutamente inofensivo gastar em programas sociais.
Diferentemente do que se pensa, usar os recursos para abater dívida é tecnicamente correto e altamente positivo do ponto de vista social.
Vamos ao argumento técnico. Ainda que muitos não percebam, o governo se endividou para capitalizar a empresa estatal. Nada mais correto, pois, do que reduzir a dívida quando a vende. Não fazê-lo, seria o mesmo que um indivíduo em dificuldades financeiras vender um imóvel e usar os recursos para gastos correntes pessoais.
Sob o aspecto social, reduzir a dívida ajuda a criar o ambiente para diminuir os juros ou para evitar que eles subam. A queda de juros é favorável ao crescimento e à geração de empregos.
A taxa de juros, como se sabe, reflete a percepção de risco de inflação ou de calote. É por isso que nos EUA os juros básicos são de menos de 6% ao ano, enquanto no Brasil chegam a 19% ao ano. A situação piora quando a relação entre a dívida e o PIB cresce, pois isso sinaliza tendência explosiva e risco de futura reestruturação.
A redução da dívida é mais importante aqui do que nos EUA. Lá, eles estão prometendo usar os superávits fiscais para liquidar a dívida nos próximos anos. Paradoxalmente, aqui se luta para evitar que ela caia.
O curioso é que a defesa do uso dos recursos em programas sociais ou de "desenvolvimento" é feita pelas mesmas pessoas que reclamam das elevadas taxas de juros.
No México, nos anos 80, o governo usava parte dos recursos da privatização para obras de grande apelo popular. O presidente da República inaugurava a obra e declarava que ela se tornara possível por causa da privatização. Era a forma de angariar apoio para o programa.
No Brasil, onde a privatização tem grande apoio popular, o melhor uso social dos seus recursos é aplicá-los na redução da dívida.


Mailson da Nóbrega, 57, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.



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