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GLOBALIZAÇÃO
Depois da ressaca de Seattle, recomeçam os preparativos para a maior negociação comercial do planeta
OMC volta a negociar "Rodada do Milênio"
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A GENEBRA
Para todos os efeitos práticos,
recomeçou quarta a preparação
do terreno para a convocação da
chamada "Rodada do Milênio".
Se vier a se realizar, será a mais
abrangente negociação comercial
que o planeta jamais viu. Só o comércio de mercadorias e serviços
já movimenta, anualmente, US$
7,27 trilhões, mais de dez vezes o
tamanho da economia brasileira.
Mas a agenda para uma "Rodada do Milênio" é disputada por
outros temas, desde compras governamentais (tudo aquilo que os
governos colocam em concorrência pública) até a relação entre comércio e meio ambiente ou padrões trabalhistas.
Tudo somado, não é exagero dizer que a rodada trataria de praticamente tudo aquilo que o ser humano produz e troca entre países.
Se, ao contrário, a tentativa de
organizar a "Rodada do Milênio"
fracassar, o risco é o do crescimento de negociações bilaterais
ou regionais, até o ponto em que
os blocos comerciais entrem em
guerra uns com os outros. É o que
temem os especialistas em comércio e economia globais, como ficou evidente nas discussões do
encontro anual-2001 do Fórum
Econômico Mundial, realizado
em Davos (Suíça) até terça.
Foi ante tais perspectivas, ambas espetaculares, que a União
Européia convocou na quarta-feira uma reunião entre 14 países
membros da OMC (Organização
Mundial do Comércio), entre eles
o Brasil, para começar a discutir o
lançamento da rodada na 4ª Conferência Ministerial da entidade,
já marcada para outubro ou novembro no Qatar.
Primeira conclusão: não pode
haver outra Seattle.
É uma alusão ao estrepitoso fracasso da 3ª Conferência Ministerial (Seattle, dezembro de 99).
Fracasso provocado pelas insuperáveis divergências entre os ministros e magnificado pelo fato de
a cidade ter sido sitiada por manifestantes antiglobalização, que
chegaram à nada trivial proeza de
impedir um discurso da então secretária de Estado norte-americana, Madeleine Albright, em pleno
território dos EUA.
O fiasco de Seattle conduziu a
OMC a uma ressaca que atravessou todo o ano de 2000 e só agora
começa a ser superada.
Um sinal -tímido, é verdade- de superação da ressaca foi
dado pelo fato de a UE ter convidado países que estão entre os
mais refratários às posições do
próprio bloco europeu.
Foi convidada, por exemplo, a
Austrália, uma espécie de líder do
movimento de países produtores
agrícolas para derrubar o muro
protecionista que os europeus
oferecem a seus agricultores.
Também foi chamada a Índia,
notória pela sua resistência a uma
nova rodada antes de que sejam
implementados acordos da rodada anterior (a Uruguai, que se estendeu até 1994) e que beneficiam
os países em desenvolvimento.
Déficit de desenvolvimento
O Brasil compareceu com o
mesmo espírito de Seattle e do
pós-Seattle, assim explicado por
Celso Amorim, seu embaixador
em Genebra:
"Uma rodada seria muito importante, mas não uma rodada
qualquer. Nesse sentido, melhorou muito o clima em torno da
necessidade de uma rodada que
ataque o que chamo de déficit de
desenvolvimento".
Claro que não é papel da OMC
cuidar do desenvolvimento. Sua
tarefa é criar e fazer respeitar regras consensuais sobre comércio
internacional.
Mas, completa o embaixador, a
organização já não pode ignorar
as questões do desenvolvimento.
A diplomacia brasileira está tentando convencer dessa teoria os
seus pares do mundo em desenvolvimento. Muitos deles acham
que uma nova rodada tem forçosamente que ser precedida do que
o jargão diplomático chama de
"implementação".
Ou seja, antes de negociar qualquer novo acordo, é fundamental
que sejam implementados os
itens de acordos anteriores que
beneficiam os países em desenvolvimento.
Celso Amorim acha que, sem
uma negociação abrangente como a "Rodada do Milênio", os
países em desenvolvimento vão
extrair no máximo de 5% a 10%
do total de demandas que têm.
"Os outros países não vão aceitar mudanças, a menos que possam negociar coisas que sejam do
interesse deles", diz Amorim.
O caminho para uma nova rodada, de todo modo, está condicionado à política que vier a ser
seguida pelo governo dos EUA,
cujo peso na economia e no comércio global é tremendo.
Em Genebra, há uma expectativa otimista a respeito da liderança
que o presidente George Walker
Bush poderá vir a exercer na
questão comercial. Mas, ao mesmo tempo, há uma certa desconfiança de que os EUA poderão pôr
a ênfase na negociação regional,
mais especificamente na Alca
(Área de Livre Comércio das
Américas, prevista para englobar
34 países americanos, fora Cuba).
Tanto é assim que Pascal Lamy,
comissário europeu para o Comércio, já se antecipa: "É provável
que a prioridade do governo Bush
seja o relançamento da Alca, mas
é a liberalização comercial multilateral, mais que a regional, que
produz resultados mais justos".
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