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São Paulo, terça-feira, 04 de fevereiro de 2003

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ARTIGO/MERCADOS FINANCEIROS

Fundos compram na alta, vendem na baixa e derrubam Bolsas

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

O índice FTSE All Share, da Bolsa de Londres, está hoje abaixo de seu nível de 1969, em termos reais, uma informação notável que eu devo a Eric Lonergan, da corretora Cazenove. Uma conclusão é que se trata de uma queda notável no mercado. Outra é que "compre e segure", o lema do mercado de ações nos anos 90, é uma tolice notável. Ainda outra é que as ações estão baratas no Reino Unido. Na verdade, as três conclusões são verdadeiras.
A queda do mercado financeiro, no momento, se compara em magnitude à que presenciamos no começo dos anos 70. Philip Davis, da Universidade Brunel, alega na mais recente Revisão Econômica do Instituto Nacional, uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto Nacional de Pesquisa Econômica e Social, de Londres, que o mercado de ações britânico caiu 77% em termos reais, no começo dos anos 70, enquanto o mercado dos EUA perdeu 56%, e o da Alemanha, 43%. Com base nos índices totais de mercado da Datastream, a presente crise vê declínios reais de 63% na Alemanha, 50% no Reino Unido e 49% nos EUA.

Todos os que caem
Para as ações alemãs, a queda nas Bolsas vem sendo pior do que a dos anos 70. Para o mercado dos EUA, ela é um pouquinho melhor. No Reino Unido, no entanto, a severidade da queda continua bem inferior à que foi registrada nos anos 70, ainda que a corrida de alta no Reino Unido no final dos anos 90 também tenha sido muito menos intensa do que nos EUA e na Alemanha.
Depois da última grande baixa das Bolsas, demorou até junho de 1985 para que os mercados alemães retomassem seu pico de 1972. No Reino Unido, só em maio de 1987 os índices anteriores à queda foram alcançados, e, o mais notável, os EUA levaram até agosto de 1993 para obter o mesmo resultado.
A menos que um investidor esteja disposto a ser de fato muito paciente, comprar nos picos de valorização e vender quando a ação está em queda é realmente uma idéia tola. O momento de uma transação importa. Seria de esperar que os investidores institucionais sofisticados compreendessem esse fato. Mas essa expectativa, infelizmente, termina em frustração.
Como ressalta Lonergan, "as vendas líquidas de ações britânicas pelo setor de seguros são um indicador bastante útil, e um motivo para adquirir ações hoje". As seguradoras fizeram aquisições de ações recorde, no valor de 12,5 bilhões de libras, no primeiro trimestre de 2000, o pico da alta nas Bolsas. Depois, fizeram vendas líquidas de 7,1 bilhões de libras entre o segundo trimestre de 2000 e o terceiro trimestre de 2002. Nos últimos 40 anos, as empresas de seguros só venderam mais ações do que compraram durante oito trimestres. Cinco deles aconteceram durante a atual queda das Bolsas, e dois durante a queda dos anos 70. O senso de tempo do setor está sempre impecavelmente errado.
As recentes vendas pelas instituições são, provavelmente, a principal explicação para o colapso do mercado do Reino Unido, a despeito de sua alta relativamente modesta anteriormente e avaliações atraentes. Como nota Davis, entre 1998 e 2001, as carteiras de ações britânicas das empresas de seguro de vida e dos fundos de pensão caíram de 35,1% do total investido para 27,5%.
Em contraste com o acontecido nos anos 70, "os investidores institucionais de longo prazo não estavam mais preparados para agir como investidores contrários [que vendem papéis que se valorizaram e compram ações que estão em baixa" e reduziram acentuadamente suas participações". As explicações incluem regulamentos de financiamento mínimo para os fundos de pensão, margens de solvência reduzidas para as empresas de seguros de vida e preocupações quanto a futuras reformas. A hipótese alternativa, a de uma deterioração dramática das perspectivas econômicas do Reino Unido depois de 2000, parece implausível.
Como resultado dessas imensas correções, as ações britânicas parecem baratas. Uma medida simples é a relação entre os lucros e os preços das ações. Ela é de 7,4% no Reino Unido. Lonergan sugere que a relação preço/lucro (PL) britânica média, ajustada em termos cíclicos, é ainda mais alta, chegando a 9%. O mercado britânico também oferece dividendos médios de 4%. Se os dividendos crescerem ao mesmo ritmo que a economia, ou 2,5% ao ano, os retornos reais totais serão de cerca de 6,5%. Trata-se de retornos atraentes em termos históricos. Certamente, são muito mais altos que os 2% agora obtidos dos títulos do governo.
A relação entre lucros e preços das ações alemãs, perto de 11%, parece muito atraente. Mas, com dividendos médios de apenas 3% e uma tendência de longo prazo de apenas 1,5% ao ano para o crescimento econômico, a medida alternativa de retorno potencial é de apenas 4,5%.
Enquanto isso, a relação entre preços e lucros de 5% e um dividendo médio de 2% tornam as ações norte-americanas relativamente caras, com base em seus padrões históricos e nos padrões internacionais hoje vigentes. Mesmo que os dividendos cresçam em 3,5% ao ano, o retorno total sobre as ações norte-americanas seria de 5,5%, cerca de um ponto percentual abaixo de sua medida histórica.

Poço sem fim?
Isso não significa que a queda nas Bolsas acabou, mesmo em Londres. Se Wall Street cair ainda mais, como parece plausível no momento, é provável que arraste outros mercados em sua queda. Os mercados tendem a se corrigir com exagero, em ambas as direções. Talvez haja más notícias à frente, em parte devido às incertezas sobre a guerra e em parte devido a quedas nos mercados em si, que ameaçam o consumo e os investimentos empresariais.
Seria preciso alguém muito mais audacioso do que eu para dizer que a queda chegou ao fim. Mas pode-se dizer, com alguma confiança, que o colapso de mercados europeus, especialmente o britânico, conduziu-os a níveis atraentes. Faria muito mais sentido apostar no investimento em ações hoje do que há três anos, e é por isso, dada a perversidade humana, que poucos o estão fazendo no momento.


Tradução de Paulo Migliacci


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