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São Paulo, terça-feira, 04 de fevereiro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Desemprego zero

BENJAMIN STEINBRUCH

A primeira pesquisa sobre o governo Lula mostrou que a nova administração tem 83,6% de aprovação popular. Não devemos nos iludir com esses números. Fernando Henrique, Itamar Franco e até Fernando Collor também tinham índices muito altos no fim do primeiro mês, superiores a 70%, embora nenhum tivesse atingido a marca de Lula.
Um item da pesquisa, que passou meio despercebido, revelou que a reforma mais urgente, para a população, é a trabalhista, com 44,9%. Ganhou de lavada de outras reformas, como a previdenciária (11,2%) e a tributária (10,3%). É fácil explicar por quê: a população identifica a reforma trabalhista como aquela que mais poderá contribuir para atenuar o problema angustiante do desemprego.
Não está errada a percepção popular. A mudança da legislação do trabalho ajudará a criar empregos, desde que reduza encargos e liberalize as relações entre empregado e empregador. Mas seus efeitos serão sentidos a médio e longo prazo. Primeiro porque o projeto dificilmente receberá aprovação do Congresso em menos de um ano. Segundo porque, mesmo que fosse votado rapidamente, seus efeitos se dariam ao longo dos próximos anos.
O índice de desemprego médio em São Paulo atingiu 19% em 2002. A situação é aflitiva. Não dá para esperar até que ela seja melhorada pelo reaquecimento da economia, que será lento. Por isso, com o Fome Zero, o programa de emprego precisa fazer parte da agenda de emergência do governo.
Ao assumir a Presidência dos EUA, em 1933, Franklin Delano Roosevelt pôs em prática imediatamente um conjunto de ações para enfrentar o desemprego. Os EUA viviam a Grande Depressão, muito mais grave do que a atual crise brasileira, evidentemente. Com seu New Deal, Roosevelt mostrou ao mundo que era possível adotar medidas simples e práticas de efeito imediato para criar empregos.
Primeiro Roosevelt lançou um plano assistencialista, semelhante ao Fome Zero, mas logo percebeu que as pessoas não queriam vales para alimentação, mas empregos. Traçou então um plano de obras públicas, financiadas pelo governo, para execução descentralizada em todo o país. Em menos de seis meses, já havia dado emprego a 4 milhões de americanos em quase 200 mil pequenos projetos. Em seus três mandatos, Roosevelt alterou várias vezes o modelo, mas persistiu na idéia inicial até 1943, quando o programa de emprego já não era necessário, porque o esforço de guerra proporcionava ocupação plena aos americanos.
Roosevelt foi duramente criticado pela gastança que promoveu e pelo déficit público que criou. No Brasil de hoje, é impensável tentar reproduzir um programa literalmente ao estilo Roosevelt. Estrangulado pelo endividamento e pelo desequilíbrio das contas externas, o país não tem condição de produzir déficit. Mas a idéia de promover obras civis com remanejamento de recursos públicos e com fundos privados é factível. Sempre é possível priorizar verbas e chamar a iniciativa privada para colaborar em planos que absorvam mão-de-obra e gerem crescimento.
Lula é um fenômeno de popularidade no país e até no exterior. Pode usar esse capital político para chamar a sociedade e os parceiros externos para um programa urgente de absorção de mão-de-obra. Programas de habitação popular, de reconstrução de rodovias destroçadas, de ampliação do saneamento ou mesmo de incentivo ao turismo não podem estar fora da agenda de emergência. Esses setores, altamente absorvedores de mão-de-obra, são alguns dos que mais clamam por melhorias imediatas.
Em 1943, quando os programas de Roosevelt foram encerrados, ele havia dado trabalho a 9 milhões de pessoas, com gastos de US$ 11 bilhões. Para a sociedade americana, ficaram 120 mil edifícios públicos, 1 milhão de quilômetros de estradas, 80 mil pontes, 8.000 parques e 800 aeroportos, construídos pela força de trabalho até então marginalizada. Para Roosevelt, a despeito das severas críticas que sempre sofreu, a história reservou o título de um dos maiores estadistas do século 20.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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