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Para Giambiagi, país não merece crescer
Economista do Ipea afirma que Brasil "colhe o que plantou" e que adota "mentalidade de funcionário público acomodado"
Baixo crescimento atual é resultado de desarranjos
que levaram à hiperinflação,
ao endividamento e ao forte
aumento da carga tributária
Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
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O economista Fabio Giambiagi, que lança neste final de semana o livro "Raízes do atraso" |
FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
O Brasil não cresce porque
não merece. E se converte em
uma economia com mentalidade de funcionário público, com
espírito de acomodação e dependência do Estado.
Para o economista Fabio
Giambiagi, 44, que lança neste
final de semana o Livro "Raízes
do atraso - As dez vacas sagradas que acorrentam o país", o
Brasil "colhe o que plantou".
Os desarranjos dos anos 80 e
a Constituição de 1988 levaram
à hiperinflação, ao endividamento e ao forte aumento da
carga tributária. O resultado é o
crescimento medíocre atual.
O livro propõe duas idéias-força: 1) o país precisa caminhar para uma economia em
que o bem-estar dependa do esforço, da criatividade e do êxito
dos indivíduos, e não do apoio
do governo; e 2) que o papel do
Estado seja o de ajudar as pessoas a buscar esse êxito, e não
apenas o de transferir renda.
"O Brasil está se convertendo
em um "show-case" de políticas
sociais voltadas para o bem-estar de clientelas específicas",
diz Giambiagi. "O elemento comum desses programas é que
eles fornecem recursos públicos em troca de nada."
O economista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada), ligado ao Ministério
do Planejamento, defende mudanças nos programas e, evocando Mário Covas (1930-2001), defende um "choque de
capitalismo" no Brasil.
Leia entrevista à Folha:
FOLHA - No início de seu livro, o sr.
cita Nelson Rodrigues: "Nada é mais
cansativo do que tentar demonstrar
o óbvio". O que é óbvio neste Brasil
que não consegue crescer?
FABIO GIAMBIAGI - Entre 1991 e
2006, o gasto público primário
do governo central passou de
14% para 24% do PIB. Estamos
falando de um aumento de gasto público de dez pontos percentuais em 15 anos, o que dá
uma média de 0,7% do PIB por
ano. O principal responsável
pelo aumento foi o crescimento
das despesas previdenciárias.
De 2,5% do PIB em 1988 para
quase 8% em 2006. Isso é triplamente dramático.
Primeiro, pela magnitude do
número em si. Estamos falando
de uma variação de mais de 5%
do PIB em 18 anos. Segundo,
pelo fato de que aconteceu num
momento em que a demografia
nos favorecia, em que o número
de pessoas idosas apenas estava
começando a aumentar. E, terceiro, é um fenômeno do qual
ninguém quer ouvir falar. Nós
temos um mega, um maiúsculo
problema macroeconômico, e
todo mundo faz de conta que
ele não existe.
FOLHA - O sr. diz no livro que a
Constituição de 88 será julgada com
"extrema severidade". Que o pêndulo foi longe demais. Que, em vez
de ensinar a pescar, o Brasil resolveu
dar peixe para todo mundo. É uma
crítica forte aos programas sociais...
GIAMBIAGI - Nós temos que distinguir duas coisas: a existência
dos programas e, segundo, o aumento do seu valor. Estou me
referindo a programas assistenciais como o da Loas (Lei
Orgânica da Assistência Social), que garante um salário
mínimo para quem nunca contribuiu para o INSS, e aos aposentados rurais. Há controvérsia se eles são previdenciários
ou assistenciais, mas são, no
mínimo, semi-assistenciais.
A existência de programas
assistenciais é a expressão de
uma sociedade civilizada. O fato de eles existirem fala bem do
Brasil. Agora, uma coisa é defender a existência dos programas, e outra, muito diferente, é
o que tem acontecido ao longo
dos últimos 12, 13 anos.
Vamos tomar como referência a situação de duas pessoas:
uma que já tivesse um benefício assistencial desse tipo em
1994, e outra, um trabalhador
honesto, que trabalha dez ou 12
horas por dia, ganha seu dinheiro suado e paga todos os
seus impostos desde 1994.
A primeira pessoa, que recebe um benefício assistencial do
Estado, sem nunca ter contribuído para isso, tem hoje um
poder aquisitivo mais de 100%
superior ao que tinha em 1994.
E a outra pessoa, que sustenta o
país, que faz o país crescer, tem
hoje um poder aquisitivo inferior ao daquela época. Sendo
que, além disso, a carga tributária no período passou de 24%
do PIB para 38% do PIB. Pergunto: é justo isso? Tendo isso
em perspectiva, parece-me
que, no cardápio para a próxima década, deveríamos contemplar a possibilidade de desvincular o piso previdenciário
do salário mínimo.
Há uma questão consensual
que o país tem de encarar: o governo vai passar para a sociedade a mensagem de que o seu
bem-estar vai depender do ato
de boa vontade do governo de
plantão? Ou vai passar a mensagem de que, de agora em
diante, os acréscimos de renda
dependerão, fundamentalmente, do mérito de cada um?
O que me preocupa é que estamos optando por um caminho diferente daquele pelo qual
optaram as economias que estão crescendo. É como se o Estado dissesse para a pessoa:
"Venha a mim, que te acolherei". "Venha a mim, que você
vai se dar bem." "Receba um valor do Estado, que esse valor vai
aumentar no futuro."
FOLHA - O sr. cita Mário Covas em
seu livro, pregando um "choque de
capitalismo". O sr. acha que o Brasil,
com a atual configuração, com a herança da Constituição de 88, com
um governo como o de Lula, carrega
alguma chance de fazer isso?
GIAMBIAGI - Sou uma gota no
oceano. Não estou discutindo
aqui as políticas para os próximos quatro anos. Até porque
elas estão dadas, refletem escolhas da sociedade mais do que
legítimas, devidamente sacramentadas nas urnas e que têm
trazido alguns resultados inequivocamente positivos. O que
estou discutindo no livro é qual
país vamos querer para os próximos 20 ou 30 anos e como as
características desse nosso padrão estão por trás do baixo
crescimento brasileiro.
Temos que, aos poucos, tentar emular aquilo que funciona
melhor nos outros países. O
Chile é hoje um país que, aos
poucos, vai se descolando dos
problemas da América Latina.
Se continuar na sua trajetória
dos últimos anos, daqui a 10 ou
20 anos vai acabar virando um
país desenvolvido. Hoje, a grande maioria dos chilenos entende qual é a regra do jogo do capitalismo e, mesmo com um
governo socialista, aderiu claramente a esse tipo de padrão.
O Estado brasileiro tem de
continuar a assegurar um padrão mínimo aos marginalizados, da mesma forma que vem
fazendo até agora. Mas o principal desafio que temos pela
frente é o de como fazer com
que os filhos dessas pessoas tenham uma ascensão social ao
longo do tempo, que vá progressivamente dependendo
menos da boa vontade do pai-Estado e cada vez mais compreendendo que deve depender fundamentalmente do esforço próprio, da educação e de
como cada um fizer uso dela.
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