São Paulo, domingo, 04 de março de 2007

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Questões para pensar na crise do mercado

Roteiro avalia as principais dúvidas sobre o efeito da instabilidade das Bolsas na economia e nas aplicações financeiras

Incertezas sobre a economia dos EUA e sobre o tamanho das perdas em operações de risco impedem avaliação sobre a duração do tumulto

DA REDAÇÃO

Não há consenso algum entre analistas econômicos e investidores sobre o futuro próximo da instabilidade econômica nos mercados financeiros mundiais. De menos incerto é o aumento da aversão a aplicações de risco.
Abaixo, segue um roteiro para refletir sobre os riscos financeiros e econômicos das próximas semanas.

1
Como e por que começou o tumulto nos mercados financeiros?

As perdas nas Bolsas de todo o mundo começaram depois da queda abrupta de 8,8% na Bolsa chinesa de Xangai, na terça-feira. Mas tornou-se quase consenso que tumulto global da intensidade e da extensão observadas nesta semana não poderia ter sido causado por uma Bolsa chinesa.
A queda de Xangai "tocou o despertador" que acordou os mercados. Isto é, foi um alerta que levou investidores a perceberem os risco na economia americana, assim como os perigos do excesso de investimento em aplicações de alto risco nas finanças mundiais.
O valor de mercado das empresas nas Bolsas chinesas equivale a 5% do valor das Bolsas americanas. A participação estrangeira na Bolsa chinesa é desprezível. O efeito chinês foi o de uma espoleta sobre uma bomba muito maior, o mercado americano, que este sim provocou efeitos em cadeia no resto do mundo.
Por que a espoleta chinesa detonou a bomba americana? O assunto é controverso. Mas pode ter havido uma combinação de três fatores.
Um, o "contágio da síndrome da China" (uma reação mais emocional do que baseada em perdas reais).
Dois, a resposta a más notícias sobre a atividade produtiva nos Estados Unidos.
Três, uma súbita percepção de que as Bolsas americanas talvez estejam valorizadas demais para uma economia que está crescendo menos -era hora de embolsar ganhos de capital antes que as ações começassem a se desvalorizar.
Como os mercados financeiros mundiais são interconectados, perdas nas Bolsas americanas desencadeiam pânico e a necessidade de liqüidar ou alterar investimentos em outros mercados, a fim de reduzir perdas e fugir de riscos maiores.

2
A instabilidade nas Bolsas e na finança mundial vai continuar?

O tumulto nas Bolsas dos EUA provocou o efeito de uma pedra que cai num lago. No mínimo, as ondas de instabilidade vão continuar até que os investidores tenham reorganizado suas aplicações financeiras.
A variação excessiva de preços num mercado de US$ 27 trilhões (R$ 57 trilhões), como o mercado acionário dos Estados Unidos, altera as estratégias financeiras no mundo inteiro.
Se aumenta a volatilidade (variação excessiva) em mercados centrais, o crédito fica mais caro e os investidores cortam investimentos de maior risco. Por exemplo: saem de aplicações em moedas, juros e ações de países ditos emergentes (como o Brasil) ou de empresas menos seguras.

3
A economia brasileira agora pode crescer ainda menos?

Embora a Bovespa tenha se tornado enfim um meio mais importante de financiamento das empresas brasileiras, a queda na Bolsa ainda é mais um sintoma do que a causa do "mal" econômico.
O problema maior viria no caso de tumulto mundial duradouro e intenso. Haveria fuga de investimento financeiro no Brasil. Isso tenderia a desvalorizar o real, o que afetaria a inflação e levaria o Banco Central a manter os juros em nível alto.
Mas esse ainda é um "cenário catástrofe", distante, mesmo porque a saúde financeira do país está algo melhor que nas crises dos anos 90. O risco mais palpável e direto ainda está num desaquecimento mais forte da economia dos EUA.

4
Como a crise pode afetar os mercados financeiros do Brasil?

Depende do tamanho e da duração da instabilidade. Mas há dois efeitos diretos e imediatos.
Um: a Bovespa varia de modo semelhante ao da Bolsa americana, exista ou não crise de fundo na economia do Brasil (vide gráfico acima).
Dois: o investimento no Brasil é tido como de alto risco. Em situações de incerteza, com chance maior de perdas, de variações inesperadas de preços, o gestor financeiro corta primeiro a aplicação de risco: vende e derruba o preço das ações brasileiras, por exemplo.
Países como o Brasil vão sentir por mais tempo, e com intensidade maior, o efeito da volatilidade: a Bovespa, o real e até os juros podem variar mais -e de modo mais negativo.

5
O que pode acontecer com minhas aplicações financeiras?

Não há consenso sobre a duração e a força da crise. A decisão do pequeno investidor dependerá, como sempre, da possibilidade e do desejo de aceitar riscos. Quanto maior e mais premente a necessidade de dispor de dinheiro, menor deveria ser a inclinação pelo risco.
Aplicações de maior risco? Pela ordem: derivativos, câmbio, Bolsa, papéis de empresas, imóveis e títulos do governo (nos quais se aplica por meio de fundos de renda fixa, por exemplo).
"É hora de sair da Bolsa?" Depende. Vender ações para investir em segurança pode resultar em perdas. A crise indica apenas que, para quem não gosta de (ou não sabe) operar com risco, os juros do governo são menos inseguros.

6
A crise pode afetar o "lado real" da economia mundial?

A crise nas Bolsas já é, em parte, um sinal de dúvidas sobre a atividade econômica nos EUA: haverá crescimento menor ou recessão? E uma crise nos EUA afetaria China e resto da Ásia, que hoje têm peso grande no crescimento mundial.
O lucro das empresas americanas sobe mais devagar. Há menos investimentos em produção e em construção de casas.
Há hoje grande temor sobre o mercado imobiliário nos EUA. O preço das casas cai, o que reduz a "riqueza" do consumidor americano, já superendividado. Houve excesso de empréstimos imobiliários para pessoas de menor capacidade financeira -sobe a inadimplência. Calotes tendem a elevar os juros e a reduzir a oferta de empréstimos, afetando o consumo.
Para a maioria dos analistas, haverá só desaceleração nos EUA. Mas uma crise financeira pode piorar tal cenário. Ainda não se conhece o efeito que a queda nas Bolsas pode causar em operações financeiras que conectam os mercados do planeta. O volume de tais operações cresceu muito no período de calmaria e juros baixos dos últimos anos.
Exemplo: fundos como os de "hedge" tomam empréstimos em países de juros baixos (como o Japão) e aplicam em mercados de risco e alta rentabilidade (como os emergentes). Quanto maior o desmanche dessas operações (de "carry trade"), maior o abalo em moedas e ativos financeiros, em especial nos emergentes.
Com o risco em alta, a exuberância financeira se reduz. Bolsas sobem menos ou caem -e em ações está grande parte da poupança do americano. Bolsas desvalorizadas, pois, tendem a reduzir a disposição para o consumo, o que tende a afetar o "lado real" da economia dos EUA e do planeta.


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