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Questões para pensar na crise do mercado
Roteiro avalia as principais dúvidas sobre o efeito da instabilidade das Bolsas na economia e nas aplicações financeiras
Incertezas sobre a economia dos EUA e sobre o tamanho das perdas em operações de risco impedem avaliação sobre a duração do tumulto
DA REDAÇÃO
Não há consenso algum entre
analistas econômicos e investidores sobre o futuro próximo
da instabilidade econômica nos
mercados financeiros mundiais. De menos incerto é o aumento da aversão a aplicações
de risco.
Abaixo, segue um roteiro para refletir sobre os riscos financeiros e econômicos das próximas semanas.
1
Como e
por que
começou o
tumulto nos
mercados
financeiros?
As perdas nas Bolsas de
todo o mundo começaram depois da queda
abrupta de 8,8% na Bolsa
chinesa de Xangai, na terça-feira. Mas tornou-se
quase consenso que tumulto global da intensidade e da extensão observadas nesta semana não
poderia ter sido causado
por uma Bolsa chinesa.
A queda de Xangai "tocou o despertador" que
acordou os mercados. Isto é, foi um alerta que levou investidores a perceberem os risco na economia americana, assim como os perigos do excesso
de investimento em aplicações de alto risco nas finanças mundiais.
O valor de mercado das
empresas nas Bolsas chinesas equivale a 5% do
valor das Bolsas americanas. A participação estrangeira na Bolsa chinesa é desprezível. O efeito
chinês foi o de uma espoleta sobre uma bomba
muito maior, o mercado
americano, que este sim
provocou efeitos em cadeia no resto do mundo.
Por que a espoleta chinesa detonou a bomba
americana? O assunto é
controverso. Mas pode
ter havido uma combinação de três fatores.
Um, o "contágio da síndrome da China" (uma
reação mais emocional
do que baseada em perdas reais).
Dois, a resposta a más
notícias sobre a atividade
produtiva nos Estados
Unidos.
Três, uma súbita percepção de que as Bolsas
americanas talvez estejam valorizadas demais
para uma economia que
está crescendo menos
-era hora de embolsar
ganhos de capital antes
que as ações começassem
a se desvalorizar.
Como os mercados financeiros mundiais são
interconectados, perdas
nas Bolsas americanas
desencadeiam pânico e a
necessidade de liqüidar
ou alterar investimentos
em outros mercados, a
fim de reduzir perdas e
fugir de riscos maiores.
2
A instabilidade nas
Bolsas e na
finança
mundial vai
continuar?
O tumulto nas Bolsas
dos EUA provocou o efeito de uma pedra que cai
num lago. No mínimo, as
ondas de instabilidade
vão continuar até que os
investidores tenham
reorganizado suas aplicações financeiras.
A variação excessiva de
preços num mercado de
US$ 27 trilhões (R$ 57
trilhões), como o mercado acionário dos Estados
Unidos, altera as estratégias financeiras no mundo inteiro.
Se aumenta a volatilidade (variação excessiva)
em mercados centrais, o
crédito fica mais caro e os
investidores cortam investimentos de maior risco. Por exemplo: saem de
aplicações em moedas,
juros e ações de países ditos emergentes (como o
Brasil) ou de empresas
menos seguras.
3
A economia
brasileira
agora pode
crescer ainda
menos?
Embora a Bovespa tenha se tornado enfim um
meio mais importante de
financiamento das empresas brasileiras, a queda na Bolsa ainda é mais
um sintoma do que a causa do "mal" econômico.
O problema maior viria
no caso de tumulto mundial duradouro e intenso.
Haveria fuga de investimento financeiro no Brasil. Isso tenderia a desvalorizar o real, o que afetaria a inflação e levaria o
Banco Central a manter
os juros em nível alto.
Mas esse ainda é um
"cenário catástrofe", distante, mesmo porque a
saúde financeira do país
está algo melhor que nas
crises dos anos 90. O risco mais palpável e direto
ainda está num desaquecimento mais forte da
economia dos EUA.
4
Como a crise pode
afetar os
mercados
financeiros
do Brasil?
Depende do tamanho e
da duração da instabilidade. Mas há dois efeitos diretos e imediatos.
Um: a Bovespa varia de
modo semelhante ao da
Bolsa americana, exista
ou não crise de fundo na
economia do Brasil (vide
gráfico acima).
Dois: o investimento no
Brasil é tido como de alto
risco. Em situações de incerteza, com chance
maior de perdas, de variações inesperadas de preços, o gestor financeiro
corta primeiro a aplicação de risco: vende e derruba o preço das ações
brasileiras, por exemplo.
Países como o Brasil
vão sentir por mais tempo, e com intensidade
maior, o efeito da volatilidade: a Bovespa, o real e
até os juros podem variar
mais -e de modo mais
negativo.
5
O que pode
acontecer
com minhas
aplicações
financeiras?
Não há consenso sobre
a duração e a força da crise. A decisão do pequeno
investidor dependerá, como sempre, da possibilidade e do desejo de aceitar riscos. Quanto maior e
mais premente a necessidade de dispor de dinheiro, menor deveria ser a
inclinação pelo risco.
Aplicações de maior
risco? Pela ordem: derivativos, câmbio, Bolsa,
papéis de empresas, imóveis e títulos do governo
(nos quais se aplica por
meio de fundos de renda
fixa, por exemplo).
"É hora de sair da Bolsa?" Depende. Vender
ações para investir em segurança pode resultar em
perdas. A crise indica
apenas que, para quem
não gosta de (ou não sabe) operar com risco, os
juros do governo são menos inseguros.
6
A crise pode
afetar o
"lado real"
da economia
mundial?
A crise nas Bolsas já é,
em parte, um sinal de dúvidas sobre a atividade
econômica nos EUA: haverá crescimento menor
ou recessão? E uma crise
nos EUA afetaria China e
resto da Ásia, que hoje
têm peso grande no crescimento mundial.
O lucro das empresas
americanas sobe mais devagar. Há menos investimentos em produção e
em construção de casas.
Há hoje grande temor
sobre o mercado imobiliário nos EUA. O preço
das casas cai, o que reduz
a "riqueza" do consumidor americano, já superendividado. Houve excesso de empréstimos
imobiliários para pessoas
de menor capacidade financeira -sobe a inadimplência. Calotes tendem a
elevar os juros e a reduzir
a oferta de empréstimos,
afetando o consumo.
Para a maioria dos analistas, haverá só desaceleração nos EUA. Mas uma
crise financeira pode piorar tal cenário. Ainda não
se conhece o efeito que a
queda nas Bolsas pode
causar em operações financeiras que conectam
os mercados do planeta.
O volume de tais operações cresceu muito no período de calmaria e juros
baixos dos últimos anos.
Exemplo: fundos como
os de "hedge" tomam empréstimos em países de
juros baixos (como o Japão) e aplicam em mercados de risco e alta rentabilidade (como os emergentes). Quanto maior o
desmanche dessas operações (de "carry trade"),
maior o abalo em moedas
e ativos financeiros, em
especial nos emergentes.
Com o risco em alta, a
exuberância financeira se
reduz. Bolsas sobem menos ou caem -e em ações
está grande parte da poupança do americano. Bolsas desvalorizadas, pois,
tendem a reduzir a disposição para o consumo, o
que tende a afetar o "lado
real" da economia dos
EUA e do planeta.
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