São Paulo, quarta, 4 de março de 1998

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LUÍS NASSIF
O caso Naya e o pluralismo da mídia

O deputado Sérgio Naya é homem morto. A exposição de seu estilo vergonhoso, como político e como empresário, é suficiente para garantir sua cassação e um amplo processo civil e criminal.
No entanto, depois de dias e dias de cobertura, perdemo-nos em um festival exclusivo de indignação, de busca da unanimidade, deixando de lado a abordagem técnica da questão, necessária para a devida apuração das responsabilidades.
Nessa catarse que se repetiu por todos os órgãos, não houve a assessoria de engenheiros de estrutura (para ajudar a identificar tecnicamente as responsabilidades), nem de advogados, para ajudar a destrinchar o labirinto legal das responsabilidades civis e públicas.
Corre-se o risco de se apontar culpados, que mais tarde -após julgamento técnico- não sejam confirmados pela Justiça, criando-se esse círculo de descrédito no Judiciário onde, aos problemas inerentes a ele, somam-se os problemas causados pela má compreensão da opinião pública em relação aos fatos apurados.
Até agora foram eleitos vários culpados preferenciais, do deputado Naya (culpado óbvio) a engenheiros e até o prefeito do Rio de Janeiro, Luiz Paulo Conde.
Arnaldo Luís Santos Pereira é engenheiro civil. Não se considera corporativista. Pelo contrário, tem sérias restrições aos conselhos profissionais, não só de engenheira como os demais. Não tem nenhum tipo de admiração pelo perfil do deputado Naya. Julga, inclusive, que a classe dos engenheiros é pródiga nesse tipo de personagem. Embora trabalhe no governo do Estado de São Paulo, tem visão bastante crítica da burocracia pública.
Isto posto, vamos aos comentários, em forma de entrevista:

Pergunta - Qual sua opinião a respeito do desastre?
Resposta -
A matéria Estruturas em Engenharia não é coisa simples. Mesmo sendo engenheiro civil, não me considero apto a opinar a respeito do desastre, porque não examinei o problema a fundo.
Pergunta - Mas não está clara a responsabilidade do deputado Naya?
Resposta -
Não obstante o sr. Naya tenha um currículo notável de maracutaias, ações legais como réu, tráfico de influência etc., que o credenciam ao posto de vilão principal da história, as responsabilidades ainda não foram apuradas. O erro pode ter sido do projeto estrutural. No caso, a responsabilidade seria do engenheiro calculista e não do engenheiro responsável pela obra. Como a análise do projeto estrutural baseia-se em elementos eminentemente objetivos (plantas, memórias de cálculo e demais peças do projeto) é muito difícil, se não impossível, que um projetista seja responsabilizado indevidamente.
Pergunta - Onde entra a responsabilidade do deputado Naya.
Resposta -
A responsabilidade será do sr. Naya (como engenheiro responsável pela obra) e de sua construtora caso a perícia venha a concluir pela má execução da obra como causa do desabamento. Não vi nenhuma referência da imprensa (os arquivos estão aí) sobre os casos da Gameleira, em Belo Horizonte, e do Elevado Paulo de Frontin, no Rio, em que foram responsabilizados os projetistas das estruturas.
Pergunta - Mas o deputado Naya acusou obras de moradores pelo acidente. Como é possível?
Resposta -
A mídia contestou o argumento com a alegação de que um prédio "é feito para suportar duas vezes o peso previsto". Ora, se algum morador, principalmente dos pavimentos inferiores, cortar, durante uma reforma, elementos vitais de uma estrutura (pilares ou mesmo vigas principais) estará comprometendo toda a estrutura. Não há duas vezes o peso que resista. Não sei se ocorreu, mas é um argumento a ser investigado.
Pergunta - E a responsabilidade dos poderes públicos?
Resposta -
Embora não morra de amores pelo prefeito do Rio, a prefeitura foi alvo de acusações no mínimo apressadas, pelo fato de o "Habite-se" ser de sua responsabilidade. O "Habite-se" é um documento emitido pela prefeitura, atestando que a obra foi feita de acordo com o projeto arquitetônico apresentado para a aprovação inicial. A prefeitura não tem nem o direito nem o dever de fiscalizar o projeto estrutural ou sua execução. Essa é uma responsabilidade do projetista, sujeito ao controle do seu órgão de classe, e do construtor. No entanto, a Prefeitura do Rio de Janeiro foi acusada seguidamente de (ser) omissa e irresponsável e o sr. Conde foi acusado de assassino, por absoluta falta de informação.


E-mail: lnassif@uol.com.br



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