São Paulo, sexta-feira, 04 de abril de 2008

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Concorrentes vão à SDE contra garrafa da AmBev

Eles vêem abuso de concorrência em nova embalagem com marca da fabricante

Empresa nega acusações; para rivais, o principal problema está na garrafa de 600 ml, que é compartilhada pelas indústrias há cem anos

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A nova fábrica de garrafas de vidro da AmBev (Skol, Brahma e Antarctica) levou a Abrabe (Associação Brasileira de Bebidas), a Afrebras (Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil) e a Indústria e Comércio de Bebidas Imperial a pedirem ontem à SDE (Secretaria de Direito Econômico) investigação por eventual abuso de concorrência nos mercados de cervejas e de refrigerantes.
Prevista para ser inaugurada no Rio de Janeiro oficialmente neste mês, a fábrica de garrafas de vidro da AmBev, segundo as duas associações, vai dar vantagens tributárias e competitivas à companhia sobre os concorrentes. Nas novas embalagens, será grafado o nome da AmBev. Os concorrentes querem que a AmBev seja impedida de personalizar as garrafas.
Para os fabricantes que recorreram à SDE, o principal problema está no segmento de garrafa de vidro retornável de 600 ml -compartilhada pelos fabricantes de cervejas e refrigerantes há cerca de cem anos.
Estima-se que existam hoje cerca de 12 bilhões de garrafas de 600 ml de cerveja e refrigerante circulando no país e que 70% delas pertencem à AmBev. Se a AmBev passar a grafar seu nome nessas garrafas, os outros fabricantes não poderão mais utilizar essas embalagens, segundo as duas associações.
"O nosso pedido é que seja interrompida imediatamente a produção de garrafas de 600 ml personalizadas pela AmBev. É preciso preservar o mercado que hoje funciona com o sistema de uso comum dessas embalagens retornáveis. É um modelo que favorece as indústrias, os pontos-de-venda e os consumidores", afirma Rosana Galvão, diretora da Abrabe.
"Como a AmBev é líder no mercado de cerveja, isso significa que os concorrentes estarão mais restritivos nas vendas para bares, restaurantes e supermercados. Quem tem garrafa de 600 ml da AmBev [ou de 630 ml, como será a nova versão], só vai poder trocar com a AmBev. Se os órgãos de defesa da concorrência não interferirem nisso, vamos ter problemas nesse mercado", diz Fernando Rodrigues de Bairros, presidente da Afrebras.
Na representação à SDE, a Afrebras diz que, se a AmBev, que tem 70% do mercado de cervejas, grafar seu nome nos vasilhames, "os demais usuários das garrafas serão obrigados a propagar a marca da AmBev". Mais: "O poder econômico da representada [AmBev] elimina a concorrência no setor de refrigerantes regionais por via oblíqua, pois os regionais dependem das garrafas de vidro âmbar para manter-se no mercado, dada sua maior rentabilidade e divulgação perante o público consumidor." Essas garrafas também são utilizadas para vinhos e cachaças.
A fábrica da AmBev custou R$ 160 milhões e produzirá 450 milhões de garrafas por ano. As novas garrafas de 630 ml, fabricadas hoje pela Saint Gobain, já são vendidas no Rio.
Na semana passada, propaganda da AmBev anunciou que a Skol chega ao mercado "mais cheia de Skol, vem com 630 mil" e sem custo extra: "mais Skol, pelo mesmo preço". O anúncio também orienta os comerciantes sobre como pode ser feita a troca das garrafas.
Se a AmBev não precisa mais comprar garrafas de vidro no mercado, segundo a Afrebras, também não terá de arcar com impostos (ICMS, PIS e Cofins) na compra dessas embalagens, como vai ocorrer com todos os outros fabricantes de cerveja.
"Os fabricantes serão ressarcidos dos tributos pagos, mas só após a venda. A AmBev, que não precisa mais comprar garrafas, vai pagar tributos só na venda do produto pronto e, portanto, será beneficiada."
Clóvis Panzarini, consultor tributário, diz que, no caso das embalagens retornáveis, os fabricantes de refrigerantes e cervejas que não produzem as garrafas vão sair perdendo só no ICMS. Isso porque a embalagem retornável, considerada bens de uso e consumo, não dá direito a crédito de ICMS.
As garrafas retornáveis são fabricadas por três indústrias de vidro no país: Companhia Industrial de Vidro, Saint-Gobain e Owens Ilinois, que juntas têm cinco fábricas no país, segundo informa a Abividro.
"A decisão da AmBev de verticalizar a produção e decidir fabricar garrafas de vidro vai, com certeza, beneficiá-la em relação à concorrência, considerando a atual política tributária desenhada para o setor", afirma Lucien Belmonte, superintendente da Abividro.
O PIS e a Cofins para a garrafa retornável, segundo ele, equivalem a 130% do preço da garrafa. "Se a AmBev verticaliza a produção, não tem que recolher os tributos na compra de garrafas. Isso é resultado de distorção na legislação de PIS e Cofins, que beneficia a AmBev", afirma Belmonte.
Joaquim Saraiva de Almeida, diretor social da Abrasel, associação que representa bares e restaurantes, não vê problema na troca de garrafa de 600 ml pela AmBev. "Querem dar identificação ao produto deles. Bares e restaurantes vão continuar comprando os produtos que costumavam. Quem vai sofrer mais com isso são as fabricantes de garrafas que vendiam para a AmBev. Provavelmente, as outras fabricantes de cerveja também deverão identificar suas garrafas."


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