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Lula quer comércio com China sem dólar
Proposta é que países usem o real e o yuan em seus negócios; exportadores criticam medida, e analista vê ação política
"O dinheiro deveria estar fugindo dos EUA e comprando títulos do Tesouro brasileiro, porque temos economia muito mais sólida", diz Lula
PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs à China abandonar o dólar e passar a utilizar
as moedas de ambos os países
nos seus negócios.
No mês passado, a China se
tornou o maior importador de
produtos brasileiros, ultrapassando os EUA. Em março, a balança comercial brasileira registrou superávit -de US$ 508
milhões- com os chineses, o
que não ocorria desde setembro. Minério de ferro, soja, açúcar e aviões foram destaque.
A proposta de Lula foi feita
no encontro em Londres com o
presidente da China, Hu Jintao, anteontem, e os chineses
ficaram de dar uma resposta na
segunda quinzena de maio,
quando Lula deve visitar o país.
Segundo o presidente, o objetivo é facilitar o comércio bilateral, que atingiu US$ 36,5 bilhões em 2008. "Qual a facilidade que você tem? É que um pequeno empresário não tem que
ficar atrás de dólar para comprar. Ou seja, ele já faz a moeda
no seu país, nós fazemos no
nosso, é muito mais fácil."
A AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil) considerou a proposta uma ameaça
ao mercado brasileiro. José Augusto de Castro, diretor da
AEB, disse que a mudança interessa só à China, que "está com
excesso de dinheiro e, no fundo, estaria vendendo um financiamento" para aumentar suas
exportações ao Brasil.
A medida pode servir a "países carentes de divisas, que não
têm reservas, mas, para o Brasil, não seria favorável porque o
momento não é de facilitar indiretamente a importação, mas
fortaleces nossa exportação".
O Brasil já implementou esquema semelhante com a Argentina, parceira do Mercosul.
"Em vez de um empresário
nosso ficar correndo para comprar dólar para negociar com a
Argentina, ele compra real. Aí
não supervaloriza o dólar e facilita o comércio. Essa é a
ideia", disse Lula.
Desde outubro, está em funcionamento sistema que permite que operações comerciais
entre empresas brasileiras e argentinas sejam feitas só com as
moedas locais. A operação funciona por meio de um convênio
entre os BCs dos dois países.
Quando, por exemplo, um
exportador brasileiro vende
um produto para a Argentina, o
importador argentino pode fazer o pagamento em pesos em
um banco local. O BC argentino
irá informar o BC brasileiro da
operação, e este autoriza um
banco, no Brasil, a liberar o pagamento em reais.
Até agora, a maior procura
por esse tipo de operação é dos
exportadores brasileiros. Em
março, venderam R$ 9,6 milhões, enquanto o Brasil importou R$ 468 mil. Os valores correspondem a 0,24% do fluxo de
comércio bilateral no mês.
O próprio Lula admite as dificuldades de colocar em prática
o abandono do dólar: "É muito
difícil, porque tem mecanismo
dentro do Banco Central de cada país, cheio de dificuldade".
A proposta brasileira é mais
um ponto contra o uso do dólar
como moeda mundial, ideia colocada inicialmente pela própria China. A terceira maior
economia do mundo propôs a
busca de moeda alternativa ao
dólar para servir como base para o comércio mundial, sugestão encampada pela Rússia.
"Essa crise nos ensina que ao
longo do tempo nós vamos começar a trocar essas moedas
para que a gente não fique dependendo do dólar. Porque essa crise mostrou uma coisa fantástica: o país que tem a maior
crise são os EUA, mas, como o
dólar é a moeda universal, o dinheiro sai dos países emergentes e vai para os títulos do Tesouro americano, o que é um
contrassenso", disse Lula.
Mas o brasileiro evitou mais
polêmica e afirmou que o objetivo não é "desbancar" o dólar,
mas buscar alternativas. "Pela
lógica, o dinheiro deveria estar
fugindo dos EUA e comprando
títulos do Tesouro brasileiro,
porque nós temos uma economia muito mais sólida, temos
bancos muito mais sólidos."
Para Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC, a decisão de usar as moedas locais no
comércio bilateral com a China
é muito mais uma sinalização
política ao mostrar a disposição
de dois países de negociarem
diretamente, não em bloco, do
que uma medida prática para
exportadores e importadores.
Ele diz que, se implantada, a
medida exigirá um contrato de
seguro (hedge). Como o comerciante brasileiro não tem ideia
do que ocorrerá com o yuan nos
próximos meses e a moeda não
é conversível internacionalmente, o mais provável é que
ele busque proteção nas transações. "Isso dará mais dor de cabeça e poderá custar mais."
Com Sucursal de Brasília e France Presse
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