São Paulo, sábado, 04 de abril de 2009

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Lula quer comércio com China sem dólar

Proposta é que países usem o real e o yuan em seus negócios; exportadores criticam medida, e analista vê ação política

"O dinheiro deveria estar fugindo dos EUA e comprando títulos do Tesouro brasileiro, porque temos economia muito mais sólida", diz Lula


PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs à China abandonar o dólar e passar a utilizar as moedas de ambos os países nos seus negócios.
No mês passado, a China se tornou o maior importador de produtos brasileiros, ultrapassando os EUA. Em março, a balança comercial brasileira registrou superávit -de US$ 508 milhões- com os chineses, o que não ocorria desde setembro. Minério de ferro, soja, açúcar e aviões foram destaque.
A proposta de Lula foi feita no encontro em Londres com o presidente da China, Hu Jintao, anteontem, e os chineses ficaram de dar uma resposta na segunda quinzena de maio, quando Lula deve visitar o país.
Segundo o presidente, o objetivo é facilitar o comércio bilateral, que atingiu US$ 36,5 bilhões em 2008. "Qual a facilidade que você tem? É que um pequeno empresário não tem que ficar atrás de dólar para comprar. Ou seja, ele já faz a moeda no seu país, nós fazemos no nosso, é muito mais fácil."
A AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil) considerou a proposta uma ameaça ao mercado brasileiro. José Augusto de Castro, diretor da AEB, disse que a mudança interessa só à China, que "está com excesso de dinheiro e, no fundo, estaria vendendo um financiamento" para aumentar suas exportações ao Brasil.
A medida pode servir a "países carentes de divisas, que não têm reservas, mas, para o Brasil, não seria favorável porque o momento não é de facilitar indiretamente a importação, mas fortaleces nossa exportação".
O Brasil já implementou esquema semelhante com a Argentina, parceira do Mercosul. "Em vez de um empresário nosso ficar correndo para comprar dólar para negociar com a Argentina, ele compra real. Aí não supervaloriza o dólar e facilita o comércio. Essa é a ideia", disse Lula.
Desde outubro, está em funcionamento sistema que permite que operações comerciais entre empresas brasileiras e argentinas sejam feitas só com as moedas locais. A operação funciona por meio de um convênio entre os BCs dos dois países.
Quando, por exemplo, um exportador brasileiro vende um produto para a Argentina, o importador argentino pode fazer o pagamento em pesos em um banco local. O BC argentino irá informar o BC brasileiro da operação, e este autoriza um banco, no Brasil, a liberar o pagamento em reais.
Até agora, a maior procura por esse tipo de operação é dos exportadores brasileiros. Em março, venderam R$ 9,6 milhões, enquanto o Brasil importou R$ 468 mil. Os valores correspondem a 0,24% do fluxo de comércio bilateral no mês.
O próprio Lula admite as dificuldades de colocar em prática o abandono do dólar: "É muito difícil, porque tem mecanismo dentro do Banco Central de cada país, cheio de dificuldade".
A proposta brasileira é mais um ponto contra o uso do dólar como moeda mundial, ideia colocada inicialmente pela própria China. A terceira maior economia do mundo propôs a busca de moeda alternativa ao dólar para servir como base para o comércio mundial, sugestão encampada pela Rússia.
"Essa crise nos ensina que ao longo do tempo nós vamos começar a trocar essas moedas para que a gente não fique dependendo do dólar. Porque essa crise mostrou uma coisa fantástica: o país que tem a maior crise são os EUA, mas, como o dólar é a moeda universal, o dinheiro sai dos países emergentes e vai para os títulos do Tesouro americano, o que é um contrassenso", disse Lula.
Mas o brasileiro evitou mais polêmica e afirmou que o objetivo não é "desbancar" o dólar, mas buscar alternativas. "Pela lógica, o dinheiro deveria estar fugindo dos EUA e comprando títulos do Tesouro brasileiro, porque nós temos uma economia muito mais sólida, temos bancos muito mais sólidos."
Para Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC, a decisão de usar as moedas locais no comércio bilateral com a China é muito mais uma sinalização política ao mostrar a disposição de dois países de negociarem diretamente, não em bloco, do que uma medida prática para exportadores e importadores.
Ele diz que, se implantada, a medida exigirá um contrato de seguro (hedge). Como o comerciante brasileiro não tem ideia do que ocorrerá com o yuan nos próximos meses e a moeda não é conversível internacionalmente, o mais provável é que ele busque proteção nas transações. "Isso dará mais dor de cabeça e poderá custar mais."


Com Sucursal de Brasília e France Presse


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