São Paulo, quinta-feira, 04 de maio de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

Um iconoclasta

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

 "Galbraith será lembrado e lido quando a maioria de nós, Prêmios Nobel, estiver enterrada em notas de rodapé nas estantes empoeiradas das bibliotecas." Paul Samuelson, em 1991

Com a morte de John Kenneth Galbraith, desaparece um dos expoentes de uma espécie em extinção: o economista independente, crítico e irreverente. Galbraith possuía uma combinação extraordinária de qualidades: capacidade analítica, visão abrangente, originalidade, estilo primoroso e senso de humor.
Dotado de ampla cultura e conhecimento profundo de várias áreas da economia, ele foi um dos mais importantes economistas keynesianos da segunda metade do século 20. Poucos contribuíram tanto para desmoralizar o que ele chamava de "sabedoria convencional" -a dos economistas e a de outras tribos.
Em parte por isso, a sua influência nunca foi grande nos meios acadêmicos. Ele era visto por muitos como uma "personalidade da mídia", e não como "economista sério".
Galbraith não tinha, claro, a pretensão de ser o que os economistas normalmente entendem por "economista sério". A ironia e o sarcasmo estavam entre as suas principais armas. Sem deixar de ser elegante, ele sabia como ninguém desconcertar os seus adversários.
A função dos economistas não é entreter ou divertir, mas o humor permite tomar certa distância dos temas abordados, sendo, portanto, de "considerável utilidade científica", dizia ele com uma ponta de ironia. "Ao considerar o comportamento econômico", acrescentou, "o humor é especialmente importante, uma vez que, desnecessário dizê-lo, grande parte desse comportamento é infinitamente ridículo."
Um dos seus alvos prediletos: os ridículos do comportamento financeiro e dos episódios especulativos. A seguinte passagem é bem característica do seu estilo mordaz: "Pode-se admitir, para fins práticos, que a memória financeira dure no máximo uns 20 anos. Esse é normalmente o tempo que leva para apagar a recordação de um desastre e para que alguma variante das demências anteriores se apresente e capture a mente financeira. É também o tempo geralmente requerido para que uma nova geração entre em cena, impressionada, como suas predecessoras, com o próprio gênio inovador".
Regra geral, observava Galbraith, as operações financeiras não se prestam à inovação: "O mundo das finanças celebra a invenção da roda reiterada e repetidamente, não raro numa versão ligeiramente mais instável".
A obra de Galbraith, que é vasta e variada, afasta-se totalmente do estilo dominante nos estudos de economia, marcados por crescente matematização. Ele era um institucionalista, que adotava a perspectiva histórica e uma abordagem multidisciplinar. Para ele, a economia não deveria ser discutida em abstrato, isolada das questões ideológicas, políticas e sociais.
"Não pode haver dúvida", escreveu Galbraith, "de que a dedicação prolongada a exercícios matemáticos em economia pode ser danosa. Ela leva à atrofia do julgamento e da intuição, que são indispensáveis para soluções reais, e, às vezes, leva também ao hábito mental de simplesmente desconsiderar os aspectos matematicamente inconvenientes."
Muitos países foram vítimas de experiências desastrosas de política econômica, conduzidas por economistas com esse tipo de treinamento ou deformação. O Brasil não é exceção, longe disso. A atual política monetária e cambial é um exemplo gritante.
O que salva esses economistas, como observou Galbraith, é que os padrões pelos quais as autoridades governamentais são julgadas tornaram-se muito complacentes. Depois de provocarem infortúnios graves, economistas saem do governo com reputações reforçadas. E passam a ocupar, no setor privado, empregos prestigiados e mais bem remunerados.


Paulo Nogueira Batista Jr., 51, economista e professor da FGV-Eaesp, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
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