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OPINIÃO ECONÔMICA
Um iconoclasta
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
"Galbraith será lembrado e lido
quando a maioria de nós, Prêmios
Nobel, estiver enterrada em notas de
rodapé nas estantes empoeiradas das
bibliotecas." Paul Samuelson, em
1991
Com a morte de John Kenneth
Galbraith, desaparece um
dos expoentes de uma espécie em
extinção: o economista independente, crítico e irreverente. Galbraith possuía uma combinação
extraordinária de qualidades: capacidade analítica, visão abrangente, originalidade, estilo primoroso e senso de humor.
Dotado de ampla cultura e conhecimento profundo de várias
áreas da economia, ele foi um dos
mais importantes economistas
keynesianos da segunda metade
do século 20. Poucos contribuíram tanto para desmoralizar o
que ele chamava de "sabedoria
convencional" -a dos economistas e a de outras tribos.
Em parte por isso, a sua influência nunca foi grande nos meios
acadêmicos. Ele era visto por
muitos como uma "personalidade da mídia", e não como "economista sério".
Galbraith não tinha, claro, a
pretensão de ser o que os economistas normalmente entendem
por "economista sério". A ironia e
o sarcasmo estavam entre as suas
principais armas. Sem deixar de
ser elegante, ele sabia como ninguém desconcertar os seus adversários.
A função dos economistas não é
entreter ou divertir, mas o humor
permite tomar certa distância dos
temas abordados, sendo, portanto, de "considerável utilidade
científica", dizia ele com uma
ponta de ironia. "Ao considerar o
comportamento econômico",
acrescentou, "o humor é especialmente importante, uma vez que,
desnecessário dizê-lo, grande parte desse comportamento é infinitamente ridículo."
Um dos seus alvos prediletos: os
ridículos do comportamento financeiro e dos episódios especulativos. A seguinte passagem é bem
característica do seu estilo mordaz: "Pode-se admitir, para fins
práticos, que a memória financeira dure no máximo uns 20 anos.
Esse é normalmente o tempo que
leva para apagar a recordação de
um desastre e para que alguma
variante das demências anteriores se apresente e capture a mente
financeira. É também o tempo geralmente requerido para que
uma nova geração entre em cena,
impressionada, como suas predecessoras, com o próprio gênio inovador".
Regra geral, observava Galbraith, as operações financeiras
não se prestam à inovação: "O
mundo das finanças celebra a invenção da roda reiterada e repetidamente, não raro numa versão
ligeiramente mais instável".
A obra de Galbraith, que é vasta
e variada, afasta-se totalmente do
estilo dominante nos estudos de
economia, marcados por crescente matematização. Ele era um
institucionalista, que adotava a
perspectiva histórica e uma abordagem multidisciplinar. Para ele,
a economia não deveria ser discutida em abstrato, isolada das
questões ideológicas, políticas e
sociais.
"Não pode haver dúvida", escreveu Galbraith, "de que a dedicação prolongada a exercícios
matemáticos em economia pode
ser danosa. Ela leva à atrofia do
julgamento e da intuição, que são
indispensáveis para soluções
reais, e, às vezes, leva também ao
hábito mental de simplesmente
desconsiderar os aspectos matematicamente inconvenientes."
Muitos países foram vítimas de
experiências desastrosas de política econômica, conduzidas por
economistas com esse tipo de treinamento ou deformação. O Brasil
não é exceção, longe disso. A
atual política monetária e cambial é um exemplo gritante.
O que salva esses economistas,
como observou Galbraith, é que
os padrões pelos quais as autoridades governamentais são julgadas tornaram-se muito complacentes. Depois de provocarem infortúnios graves, economistas
saem do governo com reputações
reforçadas. E passam a ocupar,
no setor privado, empregos prestigiados e mais bem remunerados.
Paulo Nogueira Batista Jr., 51, economista e professor da FGV-Eaesp, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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