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BASTIDORES
Brasil vê "jogo duplo" de Chávez
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O governo brasileiro, pelo
presidente Luiz Inácio Lula
da Silva ou seus assessores mais
próximos, pretende reclamar hoje ao presidente da Venezuela,
Hugo Chávez, do que considera
"jogo duplo" deste, ao propor um
megaprojeto de integração regional (o gasoduto de Puerto Ordaz
ao rio da Prata), ao mesmo tempo
em que estimula a nacionalização
do gás boliviano, em prejuízo do
Brasil.
A queixa será apresentada em
Puerto Iguazu, a cidade argentina
na tríplice fronteira Brasil/Argentina/Paraguai, na qual se reúnem,
além de Chávez e Lula, também o
argentino Néstor Kirchner e o boliviano Evo Morales. Aliás, pelo
que a Folha ouviu no governo
brasileiro, um dos efeitos colaterais da reunião será justamente
tentar enquadrar Chávez. Ou seja,
avisá-lo de que tem limites seu
"jogo duplo", conforme o vê o governo Lula.
É claro que o principal objetivo
do encontro será discutir a crise
criada pela decisão de Morales de
nacionalizar o gás.
O Palácio do Planalto, mesmo
sem dispor de nenhuma informação concreta, faz a suposição natural de que a ação de Evo Morales, no dia 1º, foi discutida e, eventualmente, decidida em Havana,
durante o encontro com Chávez e
o anfitrião Fidel Castro, 24 horas
antes. Chávez disse a Lula que
tentou ligar para o brasileiro de
Havana mas não conseguiu por
causa das dificuldades telefônicas
do país comunista.
O Brasil reclama também da
dubiedade inicial de Chávez, ao
vender o projeto do megagasoduto como uma espécie de substituição do gasoduto Brasil/Bolívia, o
que depois ficou claro que não
era. Tanto que a Bolívia foi convidada depois para o projeto.
Algo mais antiga é a reclamação
sobre a presença de Chávez em
reunião dos presidentes do Paraguai e do Uruguai, na qual o venezuelano somou-se às queixas sobre o tratamento dado pelos dois
grandes do Mercosul (Argentina e
Brasil) aos dois pequenos.
Chávez e Lula já haviam tido um
entrevero pessoal durante a cúpula da Comunidade Sul-Americana das Nações, no fim do ano, no
Peru. Lula, na reunião a portas fechadas, criticou Chávez pelo que
considerava excesso de ansiedade
(por resultados concretos nesse
tipo de cúpula). Chegou a ironizar
a juventude do presidente venezuelano, na comparação com ele,
Lula, e outros mais velhos, como
o chileno Ricardo Lagos, uma espécie de patriarca desse tipo de
cúpula na América Latina.
Chávez, à saída, devolveu a crítica, dizendo que tinha pressa:
"Eram os milhões de latino-americanos que ainda não comeram
até esta hora". A conversa do venezuelano com a Folha deu-se logo após o almoço.
Embora Chávez esteja dando
demonstrações cada vez mais estridentes de que quer um vôo próprio como líder da esquerda na
América Latina, o Planalto ainda
acredita em sua capacidade de
moderar o venezuelano.
Na diplomacia brasileira, cita-se
até um caso concreto e recente: na
Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio,
em dezembro, em Hong Kong, a
delegação venezuelana ameaçou
até o último instante vetar a declaração final, o que causaria o fracasso total do encontro, já que a
OMC só decide por consenso.
A delegação brasileira foi chave
para quebrar a resistência venezuelana.
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