São Paulo, segunda, 4 de maio de 1998

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COMÉRCIO
Presidente indiano chega ao país
Índia quer "descobrir' o Brasil

FERNANDO CANZIAN
enviado especial à Índia

O presidente da Índia, Kocheril Raman Narayanan, chegou ontem ao Brasil para, entre outras coisas, vender seu país a empresários brasileiros durante uma visita oficial de seis dias.
Não é uma missão fácil. Guardadas as proporções, em relação ao Brasil, a Índia parece tão distante hoje quanto a longínqua terra das especiarias dos navegantes europeus dos séculos 15 e 16.
Embora a rota comercial marítima entre os dois países leve hoje apenas 22 dias, com uma escala na África do Sul, a Índia responde por menos de 0,35% do total do comércio exterior do Brasil.
O país importou US$ 230 milhões em produtos indianos no ano passado e vendeu para lá apenas US$ 170 milhões.
Nesta visita, que inclui Manaus, Brasília, Rio e São Paulo, Narayanan se encontra amanhã com o presidente Fernando Henrique Cardoso, quando os dois devem assinar acordos de cooperação técnica e econômica.
Mas o que a comitiva de Narayanan traz de mais valioso em sua bagagem é o potencial.
Os indianos gabam-se de ter uma classe média, potencialmente consumista, de 200 milhões de pessoas. É mais do que toda a população brasileira e apenas 20% da indiana, de quase 1 bilhão.
Trata-se de um imenso mercado para quem está fora e de um problema igualmente enorme para quem está dentro.
Com uma população tão grande, admitem os indianos, mesmo as maiores taxas de crescimento levarão décadas para melhorar as condições de vida da sociedade. E ainda é realidade na Índia o fato de milhares de pessoas nascerem, crescerem e morrerem na rua.
Os miseráveis somam 350 milhões na Índia. Mas, surpreendentemente, é possível se sentir menos ameaçado em uma grande cidade indiana do que em áreas nobres do Rio ou de São Paulo.
Pavan Varma, secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores da Índia, afirma que somente o combate ao analfabetismo, que atinge impressionantes 49% da população, e mais educação poderão combater na raiz a pobreza e a superpopulação indianas.
Por enquanto, há paliativos. Como programas em Estados que premiam com passagens aéreas famílias com menos de dois filhos.
Até aqui, no campo comercial, o Brasil vem comprando remédios, produtos químicos, peças para bicicletas e tecidos indianos. E vende aço, ferro, óleo de soja e componentes para veículos -um dos mercados mais promissores.
A Cofap, por exemplo, quer produzir amortecedores na Índia, onde quase 30 milhões de carros, sem contar milhões de motonetas de três rodas, lambretas e caminhões, fazem com que o trânsito caótico de cidades como Bombaim e Nova Déli se assemelhe, dia e noite, a um imenso trem fantasma.
Aqui, outros paliativos: mensagens "relax" sobre o vermelho nos sinais de trânsito e um bem-humorado "buzine por favor" (sempre atendido) na traseira dos caminhões.
No campo político e econômico, a Índia tenta vender confiança. E o dínamo dessas mudanças tem sido a liberalização econômica, iniciada no país depois de 1991.
Um dos objetivos é desmontar uma ainda forte presença estatal fermentada no país pelo primeiro-ministro Jawaharlal Nehru (1889-1964) logo após a independência da Índia, em 1947.
As mudanças econômicas têm surtido efeito. O país cresce hoje a quase 6% ao ano, com uma inflação anual na casa dos 9%.
No campo político, pairam ainda muitas dúvidas sobre o recém-eleito primeiro-ministro indiano, Atal Behari Vajpayee, do Partido Bharatiya Janata (BJP).
O BJP não é um partido comum. É o braço político de um grupo paramilitar criado há 73 anos que pede, em seu site na Internet (http://www.rss.org), aos jovens indianos que dediquem "a vida inteira" à causa hindu.
Em nome do nacionalismo hindu (79,5% da população), a organização é acusada de ter cometido dezenas de atentados nos últimos anos contra alvos muçulmanos (13,5% da população).
Mas desde março, quando o BJP subiu ao poder em minoria, o partido tem se revelado agregador.
Para B. G. Verghese, do Centre for Policy Research, uma agência de estudos não-governamental, um partido minoritário no poder na Índia pode ser uma boa saída.
"Para sobreviver, tenderá à tolerância", diz Verghese. "O que não é pouco em um país com centenas de religiões diferentes praticadas diariamente e mais de 70 línguas espalhadas entre os mais diversos tipos de povos."


O jornalista Fernando Canzian viajou à Índia a convite do governo daquele país.



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