São Paulo, sexta-feira, 04 de junho de 2004

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RECEITA ORTODOXA

Investimento em papéis do governo cresce mais do que operações de financiamento, apesar da queda dos juros

Banco ainda prefere título público a crédito

NEY HAYASHI DA CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Juros em queda, inadimplência sob controle, economia em recuperação. Mesmo diante de fatores aparentemente positivos, os bancos que atuam no Brasil ainda preferem aplicar boa parte de seus recursos em títulos públicos, em vez de utilizá-los na concessão de empréstimos a seus clientes.
É o que mostram dados do Tesouro Nacional e do Banco Central sobre o assunto. Desde o ano passado, o total de dinheiro investido pelos bancos em títulos públicos tem crescido a uma velocidade maior do que a registrada pelas operações de crédito.
Entre dezembro de 2002 e abril de 2004, o volume de dinheiro aplicado em títulos públicos passou de R$ 201,318 bilhões para R$ 247,723 bilhões (alta de 23%). No mesmo período, a carteira de crédito das instituições financeiras subiu de R$ 284,116 bilhões para R$ 328,420 bilhões (15,6%).
Estão incluídos nas carteiras de crédito os empréstimos direcionados, que os bancos são obrigados a conceder, por exemplo, para os setores de habitação e agricultura. Se excluídos, os créditos em abril chegavam a R$ 240,099 bilhões -menos recursos do que nos títulos. Em dezembro de 2002, eram R$ 212,427 bilhões.
A aplicação em títulos tem a vantagem de apresentar um menor risco, já que, em tese, as chances de o governo dar um calote em sua dívida é bastante reduzida. Além disso, há o atrativo das elevadas taxas de juros.
Do total de títulos públicos que os bancos possuíam em abril passado, 73% eram do tipo pós-fixado. Esse tipo de papel é considerado a aplicação mais segura existente no país, pois a rentabilidade é determinada pelo comportamento da taxa Selic -hoje em 16% ao ano. Outros tipos de título -como os prefixados e os corrigidos pelo câmbio- são mais procurados por fundos de investimento e fundos de pensão.
Nos empréstimos a clientes, os juros médios estão em 44,7% ao ano. Apesar da taxa elevada, os bancos preferem a aplicação em títulos por causa dos menores custos. Para a concessão de financiamentos, é preciso manter uma estrutura de análise de crédito. Além disso, há as perdas decorrentes da inadimplência. Nos últimos meses, porém, o atraso nos pagamentos tem permanecido estável, em torno de 8%.
Para Roberto Troster, economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), a estagnação do crédito é explicada, entre outros fatores, pelos elevados recolhimentos compulsórios praticados no país.
A legislação em vigor exige que, do total de depósitos feitos em conta corrente, poupança ou CDBs (Certificados de Depósito Bancário), uma parcela seja recolhida pelo BC. Isso é feito para evitar que um aumento muito forte no volume de dinheiro em circulação no país provoque um aumento da inflação.
No Brasil, os compulsórios recolhidos pelo BC somam R$ 114,855 bilhões -dinheiro que poderia ser direcionado a outras operações, como o crédito. "Isso tem que ser mudado, para que o país possa crescer", diz Troster.
O consultor Alberto Borges Matias, da ABM Consulting, diz que o aumento da dívida pública e as altas taxas de juros prejudicam a expansão dos financiamentos. "Nos países emergentes, os juros reais [taxa de juros descontada a inflação] oscilam de 2% a 3% ao ano. Aqui, estão em 10%. O rendimento oferecido pelos títulos públicos ainda é muito atrativo."
O baixo volume de crédito é apontado como um dos obstáculos ao crescimento da economia. Segundo o BC, os empréstimos concedidos pelo sistema financeiro representam 26% do PIB. Em países como o Chile, a proporção chega a 70%.

Microcrédito
Medidas anunciadas em 2003 para expandir o crédito ainda não tiveram efeito significativo no total de empréstimos disponíveis.
Em 2003, o governo federal determinou aos bancos que aplicassem 2% do dinheiro depositado em contas correntes no chamado microcrédito. Além disso, passou a permitir que as empresas descontem, direto na folha de pagamento, parcelas de empréstimos bancários contraídos por seus funcionários.
O governo não dispõe de um balanço consolidado dos resultados dos programas. No Banco do Brasil, por exemplo, os financiamentos somam R$ 25 milhões.


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