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OPINIÃO ECONÔMICA
Devagar com o andor...
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
A expansão do PIB no primeiro trimestre deste ano foi
recebida com grande euforia pelo
presidente Lula e sua equipe. As
manifestações públicas de membros da equipe econômica chegaram a passar do limite do razoável. O presidente do Banco Central, por exemplo, disse à imprensa
que a economia brasileira está
crescendo a taxas mais elevadas
do que as verificadas nos EUA e
nos tigres asiáticos.
Em reunião com economistas
vinculados ao mercado financeiro,
a diretoria do BC foi ainda mais
longe. Segundo eles, os dados relativos ao PIB mostram que a política econômica atual está no caminho certo e que a administração
dos juros nos últimos meses foi absolutamente correta. Chamou a
atenção dos presentes o estado de
entusiasmo de alguns membros do
Copom com sua competência e sabedoria.
Segundo informações colhidas
com pessoas próximas ao Palácio
do Planalto, essa reação exagerada tinha um objetivo muito claro:
acalmar o presidente da República depois dos números terríveis sobre o desemprego em abril. Quando recebeu essa notícia na China,
o presidente teria manifestado sua
revolta com a falta de resultados
da política de seu ministro da Fazenda. Cobraria mudanças em
sua volta ao Brasil.
Mas, afinal, o que nos mostram
os números divulgados pelo IBGE?
Estamos mesmo crescendo a taxas
superiores às das economias dos
EUA e da Ásia? O desafio da volta
do crescimento sustentado já está
ganho, como afirmam os diretores
de nossa autoridade monetária? O
aumento do PIB é mesmo de mais
de 6% ao ano, como afirmou o sr.
Meirelles, presidente do Banco
Central?
Vamos começar pelas respostas
mais simples. A afirmação de que
estamos crescendo a taxas de mais
6% ao ano e, portanto, mais aceleradamente do que os Estados Unidos e Ásia decorre de uma conta
simples: a multiplicação do crescimento do PIB neste primeiro trimestre do ano sobre o último trimestre de 2003 (1,6%) por quatro
para se chegar ao crescimento em
quatro trimestres. Ora, essa metodologia implica adotar esse mesmo critério para o crescimento dos
componentes individuais do PIB.
Tal procedimento nos leva a um
crescimento do setor agropecuário
de mais de 13% neste ano, o que é
um absurdo para todos aqueles
que acompanham o setor. Portanto essa conta tosca está errada, e a
economia não está crescendo a 6%
ao ano!
Outra observação importante, e
que coloca em dúvida a intensidade da euforia oficial, é que o IBGE
cometeu um erro no cálculo do
crescimento do PIB do primeiro
trimestre. Não vou amolar o leitor
da Folha com tecnicidades
-quem quiser as explicações pode pedi-las por e-mail-, mas afirmo que os números da produção
industrial estão superestimados
em quase 1%.
Outro ponto que merece reflexão
mais cuidadosa é o desequilíbrio
que existe entre o nível de atividade econômica dos vários setores de
nossa economia. Por exemplo, entre o primeiro trimestre de 2004 e o
trimestre anterior, o consumo das
famílias cresceu apenas 0,3%, enquanto as exportações aumentaram 5,6%. O consumo dos brasileiros, que respondem por quase
60% do PIB, está ainda 1,8% abaixo do nível verificado no primeiro
trimestre de 2002; já as exportações são 47% superiores! Alguma
dúvida sobre a relação mercado
interno e mercado externo?
Embora os números do IBGE
apontem claramente a direção de
uma retomada da atividade econômica, podemos perceber uma
desaceleração na sua intensidade
nos últimos meses. Menos nos setores ligados às exportações, que
ainda mantêm seu dinamismo.
Por exemplo, os investimentos
cresceram a taxas de 3,2% no terceiro trimestre de 2003, 4% no
quarto e 2,3% nos primeiros três
meses de 2004. O mesmo ocorreu
com o consumo das famílias: cresceu 0,5%, 1,5% e 0,3%, respectivamente.
Resumo da ópera: a economia
está crescendo em razão do vigor
de nossas exportações, mas ainda
não chegou ao cidadão comum. A
recuperação da atividade interna
vai demorar, pois a renda dos brasileiros ainda está abaixo dos níveis de anos atrás, e o efeito do dinamismo dos setores exportadores
é ainda muito restrito sobre emprego e salários. Estamos melhorando, mas cuidado com o andor
do otimismo!
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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