São Paulo, sexta-feira, 04 de junho de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Devagar com o andor...

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

A expansão do PIB no primeiro trimestre deste ano foi recebida com grande euforia pelo presidente Lula e sua equipe. As manifestações públicas de membros da equipe econômica chegaram a passar do limite do razoável. O presidente do Banco Central, por exemplo, disse à imprensa que a economia brasileira está crescendo a taxas mais elevadas do que as verificadas nos EUA e nos tigres asiáticos.
Em reunião com economistas vinculados ao mercado financeiro, a diretoria do BC foi ainda mais longe. Segundo eles, os dados relativos ao PIB mostram que a política econômica atual está no caminho certo e que a administração dos juros nos últimos meses foi absolutamente correta. Chamou a atenção dos presentes o estado de entusiasmo de alguns membros do Copom com sua competência e sabedoria.
Segundo informações colhidas com pessoas próximas ao Palácio do Planalto, essa reação exagerada tinha um objetivo muito claro: acalmar o presidente da República depois dos números terríveis sobre o desemprego em abril. Quando recebeu essa notícia na China, o presidente teria manifestado sua revolta com a falta de resultados da política de seu ministro da Fazenda. Cobraria mudanças em sua volta ao Brasil.
Mas, afinal, o que nos mostram os números divulgados pelo IBGE? Estamos mesmo crescendo a taxas superiores às das economias dos EUA e da Ásia? O desafio da volta do crescimento sustentado já está ganho, como afirmam os diretores de nossa autoridade monetária? O aumento do PIB é mesmo de mais de 6% ao ano, como afirmou o sr. Meirelles, presidente do Banco Central?
Vamos começar pelas respostas mais simples. A afirmação de que estamos crescendo a taxas de mais 6% ao ano e, portanto, mais aceleradamente do que os Estados Unidos e Ásia decorre de uma conta simples: a multiplicação do crescimento do PIB neste primeiro trimestre do ano sobre o último trimestre de 2003 (1,6%) por quatro para se chegar ao crescimento em quatro trimestres. Ora, essa metodologia implica adotar esse mesmo critério para o crescimento dos componentes individuais do PIB. Tal procedimento nos leva a um crescimento do setor agropecuário de mais de 13% neste ano, o que é um absurdo para todos aqueles que acompanham o setor. Portanto essa conta tosca está errada, e a economia não está crescendo a 6% ao ano!
Outra observação importante, e que coloca em dúvida a intensidade da euforia oficial, é que o IBGE cometeu um erro no cálculo do crescimento do PIB do primeiro trimestre. Não vou amolar o leitor da Folha com tecnicidades -quem quiser as explicações pode pedi-las por e-mail-, mas afirmo que os números da produção industrial estão superestimados em quase 1%.
Outro ponto que merece reflexão mais cuidadosa é o desequilíbrio que existe entre o nível de atividade econômica dos vários setores de nossa economia. Por exemplo, entre o primeiro trimestre de 2004 e o trimestre anterior, o consumo das famílias cresceu apenas 0,3%, enquanto as exportações aumentaram 5,6%. O consumo dos brasileiros, que respondem por quase 60% do PIB, está ainda 1,8% abaixo do nível verificado no primeiro trimestre de 2002; já as exportações são 47% superiores! Alguma dúvida sobre a relação mercado interno e mercado externo?
Embora os números do IBGE apontem claramente a direção de uma retomada da atividade econômica, podemos perceber uma desaceleração na sua intensidade nos últimos meses. Menos nos setores ligados às exportações, que ainda mantêm seu dinamismo. Por exemplo, os investimentos cresceram a taxas de 3,2% no terceiro trimestre de 2003, 4% no quarto e 2,3% nos primeiros três meses de 2004. O mesmo ocorreu com o consumo das famílias: cresceu 0,5%, 1,5% e 0,3%, respectivamente.
Resumo da ópera: a economia está crescendo em razão do vigor de nossas exportações, mas ainda não chegou ao cidadão comum. A recuperação da atividade interna vai demorar, pois a renda dos brasileiros ainda está abaixo dos níveis de anos atrás, e o efeito do dinamismo dos setores exportadores é ainda muito restrito sobre emprego e salários. Estamos melhorando, mas cuidado com o andor do otimismo!


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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