São Paulo, sexta-feira, 04 de junho de 2004

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ARTIGO

Riscos são mais políticos que geológicos

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

Os preços do petróleo voltaram a ocupar as manchetes. Tendo ultrapassado os US$ 40 por barril, ante menos de US$ 20 em dezembro de 2001, o preço vem causando preocupação quanto às perspectivas da economia mundial. Por que os preços subiram? O que pode acontecer com eles? E, especialmente, será que a tendência indica o fim do petróleo barato?
Uma resposta parcial a essas perguntas é oferecida pelo mais recente relatório mensal da IEA (Agência Internacional de Energia, na sigla em inglês): "Atingindo quase 2 milhões de barris ao dia, o crescimento na demanda prevista [para 2004] deve ser o mais alto em 16 anos". Segundo a IEA, o aumento no consumo mundial de petróleo atingirá os 3,6 milhões de barris de petróleo diários entre 2002 e 2004. A China deve gerar 36% dessa elevação, a América do Norte, 24%, os demais países em desenvolvimento da Ásia, 16%, e a Europa, 11%.
O enigma parece ser o fato de que a produção continue a subir ainda mais rápido. É verdade que a produção dos países-membros da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) continua a cair, de 21,9 milhões de barris ao dia em 2002 para 21,6 milhões, de acordo com as projeções da IEA, neste ano. Mas a produção dos demais países não-integrados à Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) deve aumentar em 2,3 milhões de barris diários entre 2002 e 2004.
Esses números não sugerem que haja baixa oferta no mercado. De fato, a IEA ressalta que o equilíbrio entre a oferta e a procura conhecidas, mais as alterações de estoques, demonstram excedente de 1,2 milhão de barris diários no primeiro trimestre deste ano. A organização conclui que o problema deve estar em uma subestimativa da demanda real.

Explosão
Se isso se confirmar, a demanda real deve ter passado por uma explosão. Uma possibilidade alternativa seria o fato de que os aumentos nos preços em dólar do petróleo, de 2001 em diante, reflitam em parte a fraqueza da moeda dos EUA e as especulações quanto à estabilidade da região do golfo Pérsico. Se um colapso do regime saudita removesse o petróleo do país dos mercados mundiais, mesmo que apenas temporariamente, 10% da produção mundial total desapareceria. O impacto sobre os preços e a economia mundial seria maior do que no caso da perda da produção iraniana de petróleo, em 1979. E a revolução iraniana bastou para levar os preços mundiais aos US$ 100 por barril (em preços atuais). Essa possibilidade, por mais remota que pareça, ajudaria a explicar os preços elevados que temos hoje. Mas eles não durariam sem que haja um grande acúmulo de estoques em algum lugar.
Suponhamos, ainda assim, que os preços altos perdurem. Qual seria o seu impacto sobre o mundo? A resposta mais sombria é sugerida pela correlação histórica entre o preço real do petróleo e o índice de desemprego. O aumento atual é modesto, em termos históricos, mas o nível é semelhante (em termos reais) ao do final de 2000 e, antes disso, de 1990. Em ambos os casos, aconteceram recessões logo a seguir.
De acordo com a análise da IEA, conduzida em colaboração com o secretariado da OCDE, a situação não é tão preocupante. A conclusão da agência é que um aumento sustentado de US$ 10 no preço do barril de petróleo, de US$ 25 para US$ 35, reduziria o PIB, caso nenhum outro fator se altere, em pelo menos 0,5%, no ano subseqüente. A transferência de renda dos importadores para os exportadores atingiria os US$ 150 bilhões -quase 0,5% do PIB mundial. O efeito depressivo dessa transferência sobre os países que são importadores líquidos mais que compensaria o estímulo gerado pelas receitas mais altas nos países que são exportadores, em termos líquidos.

Impacto
Os preços mais elevados reduziriam o PIB dos países integrados à OCDE em 0,4% no primeiro e segundo anos de vigência. Os países da zona do euro, que dependem do petróleo importado, sofreriam mais que todos, com o PIB caindo 0,5% e a inflação subindo 0,5% no primeiro ano. Os EUA teriam menos problemas. Os países em desenvolvimento importadores de petróleo continuariam a sofrer mais efeitos negativos.
A IEA estima que a perda de PIB seria de 0,8% na Ásia e de 1,6% nos países pobres e altamente endividados. A África ao sul do Saara perderia até 3% de seu PIB. O argumento moral em favor de compensar de alguma maneira esses países pobres e importadores de petróleo é acachapante.
A análise da IEA sugere que, se os preços atuais se mantiverem, o impacto sobre a economia mundial seria significativo, mas -exceto no caso dos países importadores de petróleo mais pobres- não muito dramático. Se os preços voltarem a subir, a situação mudará. Mas esse aumento teria de ser grande para tirar dos trilhos a recuperação econômica.
A questão final é determinar se a era do petróleo barato se encerrou. Eu defendo a opinião de que preços altos hoje são arautos de preços baixos amanhã. Embora o impacto dos preços altos sobre a oferta e a procura seja baixo em curto prazo, aumenta muito em prazos mais longos.
Está longe de ser evidente que o aumento dos preços possa ser explicado pela alta na demanda, já que a produção está, aparentemente, crescendo mais rápido. Se for esse o caso, os preços devem voltar a cair. E as altas de preços até agora registradas não bastariam para tirar a recuperação econômica dos trilhos, mas mesmo assim podem ser dolorosos. A opinião ortodoxa também insiste em que o mundo está encontrando cada vez mais petróleo.
Se isso for verdade, os riscos são mais políticos que geológicos -um motivo de conforto, até certo ponto. Mas, dadas as atuais circunstâncias geopolíticas, não podemos nos sentir seguros. Depois do 11 de Setembro, os EUA entraram em conflito ideológico com a superpotência mundial do petróleo, ela mesma dividida por cisões políticas internas. Há motivos, portanto, para que todos nós nos sintamos nervosos.


Tradução de Paulo Migliacci


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