São Paulo, domingo, 04 de junho de 2006

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Populismo ainda inibe investimento estrangeiro no país

Governo apela para tabelamento de preços e boicote a produtos; falta de investimentos no setor energético pode provocar apagão

Calote e congelamento de tarifas dos serviços afugentam investidor externo, que teme retórica antinegócios de Kirchner


DA REPORTAGEM LOCAL

Apesar do "milagre" econômico, não são poucos os obstáculos para que a Argentina possa se tornar realmente um tigre latino. A inflação segue em alta, faltam investimentos, especialmente estrangeiros, em setores tão estratégicos como a energia. O país pode sofrer um apagão se mantiver o crescimento.
A inflação, que foi de 3,7% em 2003, primeiro ano da gestão Kirchner, ultrapassou os 12% no ano passado. Em 2006, deve chegar a 13%.
Kirchner encontrou vários culpados para a alta de preços. Já pediu publicamente um boicote aos postos de gasolina da Shell e às duas maiores redes de supermercados. O governo não pára de lançar tabelamento de preços. O preço da gasolina em Buenos Aires é de 1,90 peso (US$ 0,60), enquanto no Brasil é de R$ 2,49 (US$ 1,11).
As taxas residenciais de água, luz, gás e demais serviços privatizados no país estão sem reajuste desde 2001, apesar de o peso valer um terço do que valia na época da paridade com o dólar. "A gasolina vale o mesmo que valia quando o barril do petróleo custava a metade do que custa hoje", diz o consultor de energia Daniel Gerold.
Algumas empresas deixaram o país, como a francesa Suez, que estava no setor de água e saneamento. O governo estatizou alguns serviços. Outras, com os lucros reduzidos e sem previsão de reajuste das tarifas, não investem mais.
"Há um grande risco de apagão e de racionamento em poucos anos porque ninguém está investindo", diz um diretor da maior companhia petrolífera do país, a YPF-Repsol, que pediu anonimato.

Castigo externo
Há vários sinais de que, depois do calote da dívida externa e com as diatribes do presidente com as multinacionais, a Argentina ainda é castigada internacionalmente. Em visita pela América do Sul em maio, o presidente francês Jacques Chirac esteve no Brasil e no Chile, mas ignorou a Argentina. Uma descortesia estudada. O ex-presidente Carlos Menem foi afagado em todo o seu mandato.
Em 2005, a Argentina recebeu pouco mais de US$ 4 bilhões de investimentos estrangeiros diretos. O Chile, mais de R$ 7 bilhões. Até a Colômbia, com uma economia que equivale à metade da argentina, recebeu R$ 3,9 bilhões.

Boicote à carne
Em março, o presidente mostrou o quanto a inflação assusta o governo. Pediu aos argentinos que deixassem de comer carne, enquanto o preço não baixasse. Apesar de sua alta popularidade, a sugestão de boicote não convenceu. Ele então decretou a proibição de exportação da carne por seis meses, para que o preço caísse.
"Exportamos o que comemos. Com o câmbio alto, todo mundo quer exportar carne, em vez de vender ao mercado interno", diz o economista Carlos Melconian. "Se exportarmos, o preço sobe mais."
Depois de protestos barulhentos dos produtores agropecuários, o governo decidiu na semana passada permitir a exportação de alguns cortes, mas desde que as exportações não cheguem a 40% do exportado em 2005.
"Mas fica difícil criticar um governo com uma economia que cresce 9% ao ano e que reduziu o desemprego de 20% para 10%. Então continuamos a alimentar o "monstro"", diz o diretor de um dos maiores bancos argentinos, que, fiel à opinião, pediu anonimato.
(RJL)


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