São Paulo, quinta, 4 de junho de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA
Eleições e instabilidade econômica

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Meus amigos, não é fácil acordar todos os dias e ler os jornais. Como dizia Fernando Pessoa, a leitura da imprensa é frequentemente uma agressão ao senso estético e ao senso moral.
Nos últimos dias, apareceram formadores de opinião dispostos a estabelecer uma relação de causa e efeito entre as pesquisas eleitorais e a instabilidade dos mercados financeiros e de capitais no Brasil.
Era o que se poderia esperar. Economistas e consultores econômicos, desses que estão sempre a serviço dos interesses estabelecidos, apressaram-se a atribuir a turbulência financeira à perspectiva de um segundo turno nas eleições presidenciais.
Um deles, mais afoito, identificou a indefinição do programa de governo da oposição como causa da apreensão dos investidores.
Realmente, o ridículo não tem limites no Brasil. Não é preciso ser um observador especialmente atento para perceber que a instabilidade recente é anterior à divulgação das pesquisas de intenção de voto. Ela tem raízes em um cenário econômico e político que está claramente configurado desde o final do ano passado, pelo menos.
Esse cenário combina três ordens de fatores: a) a conjuntura político-eleitoral; b) os focos de instabilidade internacional (Japão, alguns países "emergentes" no leste da Ásia, Rússia, risco de uma queda abrupta da Bolsa de Valores nos EUA); e c) os desequilíbrios macroeconômicos acumulados pela política econômica brasileira desde 1994.
Não é incomum que períodos eleitorais estejam associados à instabilidade econômico-financeira. A razão é simples. Os mercados têm conhecimento de que, nesses momentos, os governos ficam particularmente propensos a postergar decisões econômicas difíceis e podem, inclusive, cair na tentação de adotar medidas eleitoreiras que aprofundem os desequilíbrios macroeconômicos.
São muitos os exemplos de crises financeiras que ocorreram em períodos pré-eleitorais ou logo após a realização de eleições importantes.
No Brasil, tivemos o colapso do Plano Cruzado, pouco depois das eleições de 1986, além de uma hiperinflação nos últimos meses do governo Sarney.
No Peru, houve a hiperinflação do final do governo Alan Garcia. Na Argentina, a "débâcle" do governo Alfonsin e, em consequência, a antecipação da posse de Menem.
Mais recentemente, tivemos a crise econômica do México, que ocorreu pouco depois das eleições presidenciais de 1994, a despeito de uma vitória relativamente folgada do candidato do governo, Ernesto Zedillo. E, em fins do ano passado, a Coréia do Sul engrossou a extensa lista de países que passaram por colapsos econômicos em períodos eleitorais.
No Brasil de 1998, há uma circunstância específica que pode agravar o tradicional dilema entre ajustamento econômico e prioridades eleitorais dos governos: o instituto da reeleição. Com o presidente da República e a maioria dos governadores lutando não mais para fazer os seus sucessores, mas pela preservação do próprio emprego, torna-se mais difícil acreditar que haverá ajustamento econômico e respeito às exigências de disciplina fiscal e financeira.
É claro que o quadro eleitoral (ou reeleitoral) não é, por si mesmo, capaz de desencadear uma crise econômica. O que torna a situação atual delicada e os mercados nervosos é a já mencionada combinação de calendário político, turbulências externas e fragilidades financeiras produzidas pela política econômica brasileira dos anos recentes.
Esse último aspecto é o crucial. As turbulências externas não foram, até agora, suficientemente fortes para desestabilizar senão os países que, como o Brasil, adotaram políticas econômicas irresponsáveis e ficaram extraordinariamente dependentes da disponibilidade de capitais externos.
Países que seguiram políticas mais prudentes sofreram pouco ou nada nos períodos de instabilidade dos mercados financeiros internacionais. O Chile, por exemplo, quase não sentiu os efeitos da crise do México em 1994-95. Taiwan também não foi muito afetada pela crise no leste da Ásia, apesar de estar próxima do seu epicentro.
Já está mais do que na hora, portanto, de deixar de lado a conversa fiada e o escapismo barato, que costumam caracterizar o discurso do governo e de seus porta-vozes extra-oficiais.
Depois de vários anos de elevados desequilíbrios no balanço de pagamentos e nas contas governamentais, de rápida expansão do endividamento externo e da dívida pública, o Brasil ficou em uma posição extremamente delicada.
Nessas circunstâncias, não há muito espaço para terrorismo eleitoral. É jogar lenha em uma fogueira que já arde forte há algum tempo.


Paulo Nogueira Batista Jr., 43, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net



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