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São Paulo, sexta-feira, 04 de julho de 2003

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LUÍS NASSIF

Lula e a "herança maldita"

O primeiro contrato de concessão do governo Lula é o da licitação de linhas de transmissão de energia elétrica. A Cláusula Sexta do Contrato de Concessão delibera sobre a receita do serviço; e a Terceira Subcláusula, sobre o indexador. O reajuste consistirá na receita anual permitida do ano anterior corrigida pelo IGP-M, o velho Índice Geral de Preços do Mercado da Fundação Getúlio Vargas, já chamado de "entulho autoritário" e "herança maldita" pelo governo Lula.
Isso ocorre em um momento em que a aplicação desse índice nos contratos de telefonia leva o governo a falar em mudar as agências reguladoras, o Congresso, a anunciar uma CPI, e o ministro das Comunicações, Miro Teixeira, a conclamar os consumidores do país inteiro a entrar na Justiça contra as concessionárias.
E por que o próprio governo Lula utilizou a "herança maldita" em seu primeiro contrato de concessão? Porque nenhum investidor vai colocar um tostão em obras de infra-estrutura, de retorno lento, sem um indexador que preserve não apenas o valor do investimento em reais como em dólares.
O que ocorreu, nesse episódio, foi uma confusão terrível em que perdemos todos -o país, os consumidores, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), o Ministério das Comunicações e o governo Lula.
Como lembra o advogado Pedro Dutra, especialista em regulação, o modelo tarifário previsto na privatização das telecomunicações brasileiras é eficiente e se baseou na Inglaterra. Ele prevê dois processos. Um, o do reajuste, visando manter integral o valor da tarifa. O outro, o da revisão, quando ocorre desequilíbrio em um dos fatores que compõem o contrato. Em cima desses dois, criou-se um redutor de produtividade. A cada ano as tarifas, reajustadas, são reduzidas por índices crescentes, obrigando as concessionárias a melhorar continuamente sua produtividade.
A lei brasileira de telecomunicações foi bem montada, mas tropeçou em aspectos típicos da cultura econômica brasileira. O primeiro, o indexador, o IGP-DI, que é uma cesta de índices inacreditável. Não se podia prever que ele iria descolar, mas descolou.
O contrato de concessão já prevê a revisão tarifária quando algum fator descola. Por isso mesmo, a própria Anatel deveria ter iniciado o contrato de revisão, já que havia indícios veementes desse descolamento de índices. Não o fez. Se tivesse feito, teria chamado a si a discussão técnica do índice.
Aí vem o ministro Miro Teixeira partindo para a guerra. Poderia ter oficiado a Anatel para iniciar o processo de revisão. Tivesse procedido dessa maneira, se converteria em "player" do processo, a imagem do país teria sido preservada e as operadoras não teriam por que reclamar, porque se estaria atuando dentro das regras do jogo.
O modelo não é ruim. O que falta é todos os atores aprenderem a trabalhar dentro dele. E o governo entender que a "herança maldita" do governo anterior não foi o modelo tarifário das concessões. Foi a vulnerabilidade cambial que provocou todos esses desequilíbrios.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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