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LUÍS NASSIF
O menestrel da América do Sul
Os menestréis chegaram
à América do Sul por meio
da península Ibérica. Parte
criou tradição no Nordeste,
parte no sul do continente, nos
pampas, no interior da Argentina. Depois, quando os anos 60
lançaram a idéia da latinidade,
eles tomaram forma, com seus
violões requintados e suas canções líricas e tristes.
Conheci a latinidade de Atahualpa Yupanqui nos anos 50.
No final dos anos 60, o som de
Mercedes Sosa e de Violeta Parra. Nos anos 80, uma geração
brilhante apareceu no LP "Consertão", com Xangai, Geraldo
Azevedo, Elomar e o imbatível
Vital Farias. Do Centro-Oeste,
emergiu o talento de Almir Sater e seu som pantanero.
Os dois -Vital e Almir-
sempre me impressionaram pela capacidade de interpretação,
pelo virtuosismo no violão, pela
voz bonita e por canções líricas
insuperáveis. Ambos vêm da
melhor tradição do violão ibérico, têm formação erudita, Vital
indo beber no paraguaio Agustín Barrios e em Villa-Lobos, e
Almir, no rasqueado do interior
da Argentina.
Alguns dias atrás, passei um
final de semana inteiro ouvindo Vital Farias, não cansando
de me encantar com suas melodias sofisticadamente simples,
com seu violão, com suas letras
de temática que parece nascer
de uma vila renascentista.
Mas, desde 1996, quando encontrei por acaso um CD em
uma loja, meu menestrel preferido é um argentino de 1,80 metro, com 78 anos de idade, de
nome Eduardo Falú.
O primeiro CD que ouvi juntava Falú e Paco Peña, um dos
melhores solistas de flamengo
na Espanha. Tocavam em duo
músicas do venezuelano Antonio Lauro, Barrios, motivos populares argentinos e composições de Falú. O CD era esplêndido, não apenas pelas interpretações de Lauro a dois violões.
Falú se mostrava um artista
completo, violonista dos maiores, compositor excepcional e
um cantor de primeiríssima.
No ano passado, estive em
Buenos Aires, consegui conversar ao telefone com ele, mas não
deu tempo de conhecê-lo pessoalmente. Neste ano, voltei,
mas problemas variados também não ajudaram no encontro. Mas ainda conseguirei.
Na mala, voltei com mais CDs
dele, uma coletânea com suas
melhores canções e interpretações. Ouvi seu violão poderoso
em "Quartelada" e "Samba de
Vargas", motivos populares argentinos com arranjos seus, e
me lembrei de meu tio Felipe,
que nunca conheci, pois voltou
para Buenos Aires pouco antes
de eu nascer. Lá por volta de
1960 mandou um 78 rpm para
meu pai com as duas músicas,
uma de cada lado. Sempre
achei que o intérprete era Atahualpa. Agora, acho que era
Falú.
Ele nasceu em 7 de julho de
1926 em El Galpón, Província
de Salta. Com 14 anos, a família
se mudou de Metán para Salta,
onde conheceu os Dávalos, dois
irmãos, dos quais Jaime se tornaria o letrista mais constante.
Cresceu no interior, em fazendas, o que fica claro na temática de suas músicas, falando em
jangadeiros, rios, pombas, na
Província de Salta. De origem
síria, dela veio a influência do
violão. Aprendeu violão sozinho, nos métodos de Sor, Aguado e Domingo Prats. Acabou fazendo uma ponte entre o popular e o clássico.
Chegou a Buenos Aires em
1945, convidado pela rádio El
Mundo. Com Yupanqui e outros passou a elaborar música
folclórica, mas de pouca penetração na cosmopolita Buenos
Aires. Tentou estilizar música
inca, mas sem sucesso. Com Dávalos, começou então a colocar
uma temática mais sofisticada
nas suas composições, criando
clássicos como "Tonada Del
Viejo Amor", "Las Golondrinas", "Rio de Tigres", de matar.
Os personagens das músicas são
mineiros bolivianos, trabalhadores rurais, barqueiros do rio
Paraná.
Explodiu no início dos anos
50 e começou carreira internacional, tocando na União Soviética, nos Estados Unidos e na
Europa. Foi parceiro de Borges
e de Ernesto Sábato, com quem
compôs a peça "Romance da
Morte de Juan Lavalle".
Buenos Aires é uma metrópole fantástica, mas esquisita. Nada que não tenha o tango consegue visibilidade. Talvez por
isso Falú não seja venerado. Na
minha coleção, tem um lugar
destacado, ao lado dos maiores.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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