São Paulo, domingo, 04 de julho de 2004

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LUÍS NASSIF

O menestrel da América do Sul

Os menestréis chegaram à América do Sul por meio da península Ibérica. Parte criou tradição no Nordeste, parte no sul do continente, nos pampas, no interior da Argentina. Depois, quando os anos 60 lançaram a idéia da latinidade, eles tomaram forma, com seus violões requintados e suas canções líricas e tristes.
Conheci a latinidade de Atahualpa Yupanqui nos anos 50. No final dos anos 60, o som de Mercedes Sosa e de Violeta Parra. Nos anos 80, uma geração brilhante apareceu no LP "Consertão", com Xangai, Geraldo Azevedo, Elomar e o imbatível Vital Farias. Do Centro-Oeste, emergiu o talento de Almir Sater e seu som pantanero.
Os dois -Vital e Almir- sempre me impressionaram pela capacidade de interpretação, pelo virtuosismo no violão, pela voz bonita e por canções líricas insuperáveis. Ambos vêm da melhor tradição do violão ibérico, têm formação erudita, Vital indo beber no paraguaio Agustín Barrios e em Villa-Lobos, e Almir, no rasqueado do interior da Argentina.
Alguns dias atrás, passei um final de semana inteiro ouvindo Vital Farias, não cansando de me encantar com suas melodias sofisticadamente simples, com seu violão, com suas letras de temática que parece nascer de uma vila renascentista.
Mas, desde 1996, quando encontrei por acaso um CD em uma loja, meu menestrel preferido é um argentino de 1,80 metro, com 78 anos de idade, de nome Eduardo Falú.
O primeiro CD que ouvi juntava Falú e Paco Peña, um dos melhores solistas de flamengo na Espanha. Tocavam em duo músicas do venezuelano Antonio Lauro, Barrios, motivos populares argentinos e composições de Falú. O CD era esplêndido, não apenas pelas interpretações de Lauro a dois violões. Falú se mostrava um artista completo, violonista dos maiores, compositor excepcional e um cantor de primeiríssima.
No ano passado, estive em Buenos Aires, consegui conversar ao telefone com ele, mas não deu tempo de conhecê-lo pessoalmente. Neste ano, voltei, mas problemas variados também não ajudaram no encontro. Mas ainda conseguirei.
Na mala, voltei com mais CDs dele, uma coletânea com suas melhores canções e interpretações. Ouvi seu violão poderoso em "Quartelada" e "Samba de Vargas", motivos populares argentinos com arranjos seus, e me lembrei de meu tio Felipe, que nunca conheci, pois voltou para Buenos Aires pouco antes de eu nascer. Lá por volta de 1960 mandou um 78 rpm para meu pai com as duas músicas, uma de cada lado. Sempre achei que o intérprete era Atahualpa. Agora, acho que era Falú.
Ele nasceu em 7 de julho de 1926 em El Galpón, Província de Salta. Com 14 anos, a família se mudou de Metán para Salta, onde conheceu os Dávalos, dois irmãos, dos quais Jaime se tornaria o letrista mais constante.
Cresceu no interior, em fazendas, o que fica claro na temática de suas músicas, falando em jangadeiros, rios, pombas, na Província de Salta. De origem síria, dela veio a influência do violão. Aprendeu violão sozinho, nos métodos de Sor, Aguado e Domingo Prats. Acabou fazendo uma ponte entre o popular e o clássico.
Chegou a Buenos Aires em 1945, convidado pela rádio El Mundo. Com Yupanqui e outros passou a elaborar música folclórica, mas de pouca penetração na cosmopolita Buenos Aires. Tentou estilizar música inca, mas sem sucesso. Com Dávalos, começou então a colocar uma temática mais sofisticada nas suas composições, criando clássicos como "Tonada Del Viejo Amor", "Las Golondrinas", "Rio de Tigres", de matar. Os personagens das músicas são mineiros bolivianos, trabalhadores rurais, barqueiros do rio Paraná.
Explodiu no início dos anos 50 e começou carreira internacional, tocando na União Soviética, nos Estados Unidos e na Europa. Foi parceiro de Borges e de Ernesto Sábato, com quem compôs a peça "Romance da Morte de Juan Lavalle".
Buenos Aires é uma metrópole fantástica, mas esquisita. Nada que não tenha o tango consegue visibilidade. Talvez por isso Falú não seja venerado. Na minha coleção, tem um lugar destacado, ao lado dos maiores.


E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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