São Paulo, domingo, 04 de julho de 2004

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ARTIGO

Gigante com pés de barro

PEDRO DE CAMARGO NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O sucesso agrícola brasileiro é, antes de tudo, fruto da fotossíntese. Nenhum outro país reúne um conjunto tão formidável de sol e água. Viabilizar a produção exige um homem educado, tecnologia e um ambiente econômico adequado. O crescimento da produção nos últimos anos é fruto da somatória de diversas ações corretas.
O setor agrícola tornou-se a âncora para a retomada do desenvolvimento. Produz saldo na balança comercial essencial para o equilíbrio macroeconômico. Infelizmente, pela ausência de outros setores também competitivos, o sucesso da economia tornou-se dependente das questões agrícolas.
O recente incidente da soja na China, com a perda elevada de divisas, produziu maior dano à economia nacional do que o aumento dos preços do petróleo no mercado internacional. Um foco de febre aftosa, colocando em crise a pecuária de corte, pode influir fortemente no PIB (Produto Interno Bruto, a soma das riquezas produzidas em um país) a ponto de inviabilizar o crescimento nacional. Estamos preparados para depender de um setor até ontem relegado a segundo plano?
Os gargalos para um contínuo crescimento do setor agrícola são diversos. Porém é na questão da sanidade animal e vegetal que podemos enfrentar um colapso. A crise do serviço público nacional é uma realidade. Os recursos financeiros são sempre insuficientes. Os funcionários, desmotivados por questões salariais. O quadro de pessoal está cada dia mais próximo da aposentadoria. Os métodos e modelos de atuação são ultrapassados. Pior do que isso, inexiste um debate que permita enfrentar o futuro com maior tranqüilidade.
É preciso reagir. Foi também na área de sanidade que no passado ações inovadoras exemplares ocorreram. Na citricultura, foi com o Fundecitrus (Fundo de Defesa da Citricultura) que os riscos das doenças foram enfrentados. Indústrias e produtores viabilizaram essa parceria público-privada numa época em que não se falava em PPPs.
O avanço ocorrido contra a febre aftosa em São Paulo, a partir de 1991, com a criação do Fundepec (Fundo de Desenvolvimento da Pecuária do Estado de São Paulo), posteriormente levado a outros Estados, ocorreu com pecuaristas aceitando pagar mais do que já pagavam em impostos, criando fundos próprios coletivos destinados a ações em conjunto com os governos estaduais no sentido da erradicação da doença.
É preciso ampliar os exemplos em escala nacional, retomando o sucesso de poucos anos atrás. Os princípios que devem nortear as ações são os mesmos: a aproximação da sociedade civil com os governos no desenvolvimento de ações coletivas concretas.
O importante é não perder tempo, porque o gigante tem pés de barro.


Pedro de Camargo Neto, 55, doutor em engenharia de produção, foi fundador e presidente de 1991 a 2001 do Fundepec (Fundo de Desenvolvimento da Pecuária do Estado de São Paulo).


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